domingo, 26 de dezembro de 2010

Se chorei ou se sorri o importante é que emoções...


Assistir ao Rei Roberto Carlos cantando, sentadinho na sua cadeirinha no palco fincado nas areias de Copacabana, iluminou minha alma com aquela sensação gostosa de que o que vale mesmo nesta vida fica marcado na gente. Nem adianta... O que vale mesmo nesta vida segue nos acompanhando, não importa o perrengue, a rotina, a violência urbana, os maltratos ao coração...


Final de ano... época boa para fazermos uma retrospectiva das nossas vidas, separando o que foi bom do que não foi tão bom assim. O meu ano passou com muita correria, muito trabalho, muitas horas de sono e cansaço acumulado. Tentei seguir para um lado, a vida me empurrou para outro, e quando procurava trilhar certo caminho, esbarrei numa onda que me fez ficar por mais tempo deitada na areia, mirando o horizonte.


Final de ano, época para a gente reafirmar nossos desejos. O meu desejo para 2011 é bastante singelo: eu quero paz de espírito. Quero estar a cada dia mais próxima do meu próprio ser, ouvindo os meus murmúrios como barulhinho de riacho, sentindo a minha alma tão viva como água gelada de cachoeira.


O desejo é singelo porque só depende de mim. Do meu esforço pessoal para me dar as mãos e não me deixar esmorecer, jamais. Mas não disse que será fácil. A tal da onda vem e teima em nos tirar de nosso próprio eixo e controle. Portanto, o desejo por paz de espírito é extremamente desafiante.


O meu desejo é fazer escolhas que me deixem plena, sem angústia no peito e a sensação de estar trancada em casa estranha com os meus mais queridos pertences jogados na rua, lá do lado de fora. Desejo não perder tempo com tolices, bobagens. Com gente superficial que não curte se doar.


Que 2011 traga muitas experiências divertidas - algumas eu vou narrar neste blog. E que você, meu querido leitor ou leitora, também se encontre consigo mesmo e aperte muito suas próprias mãos. Caminhe bem pertinho de si, sorrindo para as dificuldades, porque elas passam, claro que passam!!

E o que fica, sempre, é o Rei. O Rei é o que há de melhor em nós mesmos. Não me refiro ao Roberto, de quem nem sou tão fã assim. Refiro-me ao nosso próprio Rei, ops!, eu interior. Àquela criança lambuzada de picolé, embriagada de água salgada do mar, que está sempre seguindo suas próprias vontades, gargalhando sincera para o que ama, e saindo correndo daquilo que não aprecia. Que esta criança, na sua porção saudável e majestosa, possa nos guiar em nossas escolhas, em 2011.


(...)

Agora voltando ao Roberto ... qual o segredo que reafirma, entra ano e sai ano, a sua realeza? Ele fala de amor, do modo mais simples, com toda aquela aura de dignidade, sabedoria e franqueza. O Rei tem um tom brejeiro, a voz mansa e pausada. Já sofreu por amor e não tem vergonha de cantar essa experiência, que é dele e de todos aqueles que lotaram as areias de Copacabana. Isso porque, claro, o lema do Rei é "se chorei ou se sorri o importante é que emoções eu vivi".

O Rei Roberto, e os Reis interiores que habitam nossos seres.... eles se importam. Alguém duvida? Eles se afetam, se comovem, se alegram, enfim, eles desejam. Em nada lembram certa atmosfera blasé que impregna por vezes esta nossa rotina.

Que 2011 traga para todos muitas, e boas, e fortes, serenas e profundas, emoções. Isso porque "o que fica", como disse outro dia, em uma mesa de bar, o meu amigo Felipe... é o amor.

sábado, 27 de novembro de 2010

Violência no Rio: o bem, o mal, os ovos e o carioca da gema


Esta semana o governador do Rio declarou que "não se faz omelete sem quebrar ovos", em referência à reação incendiária ao cerco ao tráfico nas favelas. Imagens de carros e ônibus em chamas tomaram conta da tevê, das páginas do jornal, e do imaginário dos cariocas. Para desanuviar a minha manhã, divertindo-me um pouco a caminho do trabalho, um locutor de rádio disparou, diante da fala do governador: "de quais ovos Cabral está falando? Os dele? Da família dele?". Certamente não. Nem o de Cabral, tampouco o de Colombo (que, aliás, teve que ser quebrado para ficar em pé, como nos diz a célebre anedota).

É fato, como indica a metáfora do ovo de Colombo, que depois de solucionados os desafios até se parecem fáceis. Mas a verdade é que livrar tantas favelas do tráfico é quase tão complexo quanto manter ovos em pé, sem grandes estragos.

Pensando em tudo isso, tenho enfiado nos pés, nessas últimas manhãs periclitantes, minha super bota de cano longo de borracha. Sentindo-me tal qual a Mulher Maravilha, viajo no coletivo rumo ao incerto (e longínquo) território onde fica o meu trabalho. Chego a hesitar ao refletir que as botas, perante um súbito ataque inimigo, facilmente se derreteriam em chamas. Mas, felizmente, embarco nesta reflexão sobre ovos, esperança, o bem, o mal, e a sobrevivência dos cariocas da gema.

É bacana, e bonito, ver toda essa mobilização no Rio de Janeiro em torno da ocupação de favelas como Vila Cruzeiro e Complexo do Alemão pela polícia. Ainda que parte desse esforço tenha sido impulsionada pela necessidade de se colocar alguma ordem neste "purgatório da beleza e do caos" por conta da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Ainda que possa ser (mais um) lance de marketing do governo do estado para responder às classes mais facorecidas, que também estão tendo seus carros queimados pelas vias públicas, e suas famílias amedrontadas por seres com galões de gasolina em punho.

É bacana, e bonito, ver esta cidade que parece às vezes ter brotado, sem pai nem mãe, da gema de um ovo, se unindo em torno de uma preocupação em comum, que é o restabelecimento do controle de seu próprio território, de seu próprio destino.

O carioca, de maneira geral, é pouco politizado e mobilizado pelas questões da cidade, com exceção das eternas juras de amor à beleza natural de nossa geografia. Mais eis que, subitamente, todos parecem se preocupar com o que se passa em nossos relevos, para além da acolhedora imagem que paira, braços abertos, sobre a Guanabara.

Nesta semana em que o badalado "Tropa de Elite 2" caminha para ser o filme nacional mais visto de todos os tempos - recorde creditado a "Dona Flor e seus Dois Maridos" - nada mais simbólico do que a repentina euforia da população em torno da nossa polícia, de nossos capitães Nascimento. Em torno da força quase redentora dos poderosos caveiras do Bope.

Neste momento, no entanto, precisamos ter cautela para lembrar que não se trata de uma luta do "bem" contra o "mal", como tem sido veiculado em alguns veículos de imprensa. A população destas comunidades está apoiando a ação? Que bom. Mas não sejamos tolos: a eficácia de uma ação como esta depende de uma visão bem menos pueril do que uma divisão tão primária dos seres humanos entre dois times. Quer dizer então agora que a polícia se tornou a personificação do bem? Hum... quase todos sabemos que não é (tão) bem assim.

A imagem do bem contra o mal é bastante sedutora, e se ela está servindo para aglutinar as forças cariocas da gema em torno de uma "torcida" em comum, ok, tem lá o seu lugar. Mas que a gente possa identificar o bem não apenas com alguns bravos policiais (que certamente existem por aí), como também com a justiça social. Com a libertação dessas pessoas para a verdadeira cidadania.

Que a favela possa ser ocupada pela atenção da gente, aqui do asfalto, não somente quando ameaça esfumaçar nossos destinos.

É bacana, e bonito, ver a solidariedade do povo das favelas. Que mesmo com tão pouco a oferecer, não raro procura compartilhar o pouco que tem com estranhos. Na favela, vemos gente que fala com os vizinhos de porta, que manda o filho para a escola e que rebola, dia a dia, para a criança não virar traficante. Essas pessoas estão agora, mais do que quaisquer outras, no meio do fogo cruzado, muitas sem casa, e sem luz. Que o Estado possa, realmente, se ocupar desses territórios.

Mesmo nos intervalos dos anúncios da tevê.

É um belo momento para todos nós, cariocas, repensarmos a cultura da nossa cidade, saindo da casca do ovo, e recriando essa parte da nossa história tão partida.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Os homens são de “morte” – e é pra lá que eu vou! – comendo, rezando, amando...






Com alguns anos de atraso, finalmente fui assistir à peça “Os homens são de marte... e é pra lá que eu vou”. Que felicidade descobrir a excelente e hilária atriz Mônica Martelli. Enorme no palco, em altura e sagacidade, a Mônica transformou a angústia feminina em motivo de sorriso, gargalhada, e muito bom humor.

A atriz está em cartaz agora na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Para quem é meio “ET” como eu (resiste em ver as coisas no auge da badalação e até hoje não assistiu ao espetáculo) recomendo muitíssimo. Bom programa para o final de semana – inclusive se você tem namorado(a) ou é casado(a), já que a peça é uma reflexão divertida e generosa sobre a eterna busca do amor.

O espetáculo tematiza esta procura incansável por parte de uma mulher que não tem medo de se lançar, como “kamikaze”, nos braços dos seus “marcianos”. A personagem Fernanda se envolve com os mais variados tipos de homem. Sempre pensando: “finalmente, agora eu en-con-trei o caaarraaaa!”. Mas o que ela coleciona são alguns punhados de desilusão que tornam a sua vida ainda mais inquietante e desafiadora. Vejam só um trecho da resenha da peça:

“O tempo que ela gasta com os homens daria para ter dado uma volta ao mundo e ainda ter estudado a história de todas as civilizações.”

Você já refletiu sobre isso? Eu já. Às vezes penso que poderia ter lido a obra toda de Proust, em busca do tempo perdido com desencontros de amor.

Em vez de Proust, tenho lido – também com algum proposital atraso e relutância – o best seller “Comer Rezar Amar – a busca de uma mulher por todas as coisas da vida na Itália, na Índia e na Indonésia”.

O que une a americana Elizabeth Gilbert, autora do livro, e a brasileira Mônica Martelli, atriz e autora da peça? Uma temática “mulherzinha” que encara o homem como a força motriz do universo? Claro que não! O que ambas colocam em foco é a busca do amor como a procura por algo mais verdadeiro em si próprias.

Aí está a força dessas mulheres, que souberam universalizar os seus “dramas” transformando-se em sucesso de crítica e de público.

De um lado, o livro, contando as vivências de uma americaninha balzaquiana que decide romper com um casamento “bem-sucedido” aos olhares externos, em busca do “coração selvagem da vida”. Gilbert se lança pelo mundo à procura de seus prazeres mais autênticos, sejam eles degustativos, ligados à espiritualidade e ao amor, em amplo sentido. Essa aposta não se faz sem dor. Nasce do desamparo, e da solidão, comum a todos os seres humanos. Nasce daquilo que tentamos negar ao longo da vida, por meio de um casamento, um bom emprego, e de filhos bem situados.

Do outro lado, a peça. Uma atriz que tematiza a solteirice como momento, igualmente, de grandes descobertas. Martelli e Gilbert são mulheres espirituosas, que me fazem sorrir.
Que este post seja agora uma homenagem às duas. E às Marinas, Virgínias, Clarices...

O que ambas tematizam é a força existente no desamparo e na solidão comum a todos nós, homens e mulheres. (Comum, inclusive, aos homens de morte – ops! de marte).

Neste sentido, afirmo feliz: habitamos o mesmo planeta.


quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Anjo tonto

Quando eu nasci, um anjo tonto - desses que vivem na sombra - soprou no meu ouvido: vai lá, Julia, agir sem defesas na vida! Ama a teu próximo como a ti mesma. Se o próximo for querido, tente acolher suas falhas, seus tropeços. Seja amorosa, franca, afetiva. Não sinta raiva, porque a raiva corrói a alma, e o coração. Exponha os seus sentimentos e salte de cabeça, se achar que vale a pena.

Acontece que o anjo nem sempre tem razão. Faz bem a gente sentir o coração batendo mais forte. Mas se a afetividade do outro “ser” não corresponde à sua, saia correndo!

Experimente fazer como o personagem de Tom Hanks em "Forrest Gump": simplesmente, corra. Ainda que, a princípio, sem direção. Encha os pulmões de ar, reze uma novena, medite enquanto corre. E siga correndo.

Mulheres têm por vezes um estranho gosto pelo papel de psicóloga. Mas, francamente: a profissão é desgastante e, fora do consultório, não traz qualquer recompensa.

Outro tipo de encruzilhada é a que se trava entre um ser humano comunicativo, que gosta de falar sobre o que sente, e outro que não sabe sequer o que sente, que muda a cada segundo, e não tem interesse em se fazer compreender (nem mesmo em se compreender). Para onde vai este diálogo? Existe diálogo? Ruído permanente.

Não adianta. Antes de se perguntar quem é o “outro” que te acompanha, pergunte a si mesma: quem é você? Com que tipo de “outro” deseja andar? E para onde deseja andar?

Eu aprecio as verdadeiras relações. Adoro trocar, me comunicar, me fazer entender. Buscar compreender. Portanto, se o barato da “figura” não é esse... fuja! E exercite o que um ex namorado meu (já que estávamos falando deles no post abaixo) me recomendou outro dia: emitir o famoso f.....da-se!

Sentir raiva faz muito bem. Em certos momentos é libertador.

Os anjos no fundo sabem que o nosso afeto a gente só deve endereçar a quem realmente merece. E se o mundo carece de afeto (ah, tão pouco afeto no mundo...) problema dele! Para merecer o seu, é preciso continuar merecendo. Diariamente. Constantemente. Permanentemente.

domingo, 10 de outubro de 2010

Amizade entre ex namorados - é possível?





Haviam se separado há mais de uma década. Às vezes, ao meio dia, ele telefonava. Dizia para ela sintonizar no “canal X” – já que a tevê transmitia uma entrevista imperdível. Outras vezes, de noite (e mesmo à meia noite) ele ligava. Anunciava que iria escovar os dentes e depois dormir. Então trabalhavam, tomavam chope, e até café da manhã degustavam, juntos. Contando, ninguém acredita. Entre este ex casal, nada mais existe além de uma bela, verdadeira e profunda, amizade.

Há quem acredite em vida após a morte, vida além da Terra, em político honesto e em amizade entre ex namorados. Pois eu declaro, sem qualquer vestígio de vergonha, que faço parte deste grupo de pessoas. Ainda mais depois de ter ouvido, há pouco, a história relatada acima. Credulidade? Digamos que eu seja uma pessoa esperançosa. Dessas que procuram ver a vida do modo mais improvável, de ângulos inusitados. Sempre com boa dose de fé.

E amizade é o que de melhor levamos – alguém duvida?

Além disso, confesso que sou um ser teimoso, “com a lua, regendo os afetos, no signo de touro”, observaria um astrólogo. O que torna qualquer tentativa de preservar algo de bom... tentadora. Mas, muita calma nesta hora! Para que a amizade floresça é preciso tempo. É preciso superar as mágoas do final do relacionamento e, sobretudo, não fazer da amizade aquela desculpa para outro tipo de reaproximação.

Ex namorados são os caras que em geral melhor nos conhecem. Se a relação acabou, quem sabe não dá mais certo em outro “formato”? Mas – novamente - atenção! Amizade boa entre ex simplesmente acontece. Só mesmo o bendito tempo nos indica quem veio para passar, ou para ficar. Como diz Mario Quintana... “Amizade é um amor que nunca morre”.

Quando digo “amigo” não me refiro necessariamente àquele que te liga quase toda semana, para quem falamos sobre os novos pretendentes ou com quem compartilhamos os melhores filmes em cartaz. Um ex namorado não suportaria tudo isso assim, de uma vez só. E nem você da parte dele! Aqui o que eu chamo de amizade é aquela doçura, o acolhimento de quem já teve você nos braços e sabe do seu valor e importância no mundo. Isso é possível entre ex namorados, ficantes, amantes, mulheres e maridos.

Tenho um amigo - ex namorado - que já me deu um empurrãozinho para um belo emprego. Quando preciso, ele surge como um anjo, em diversas situações. Tem outro que sempre liga no dia do meu aniversário – e eu, no dele. Quando nos encontramos é aquela alegria. Tão boas as lembranças. Outros, não ligam. Mas a gente sabe que se importam.

Tem ex que rende ainda alguns beijos. Que vale um abraço gostoso. Mas lá no fundo - você sabe – não pode oferecer algo mais. Tem ex que ganha sobrevida, ex que toma chope em boteco, conta sobre as atuais, apresenta a noiva, e tenta te dar beijo com gosto de língua. É a melhor das sensações. Afinal, beijo com gosto de língua indica que a atração realmente se foi. Ficou a amizade.

Claro, existem aqueles caras que te deixam tão somente com uma “baba” de ódio no canto da boca, tamanha falta de amizade e compreensão. Mas esses são mais fáceis de abrir mão. E também esses, abençoados pela amnésia cumulativa que vem com o tempo... estão sujeitos à dádiva do perdão.

Mais do que nunca, acredito que a amizade seja o verdadeiro amor - bem-sucedido. E que o verdadeiro amor só existe quando fundado na mais profunda amizade.

Este post é uma homenagem aos “ex”. Que mesmo quando mortos, seguem vivos. Nos tornando melhores, piores, melhores... mais espertas, e maduras.

Sobre homens e mulheres


Festival do Rio se despede da cidade, e para quem tiver oportunidade de assistir, recomendo enfaticamente “Las viudas de los jueves”. O filme me instigou já desde o título – “Viúvas sempre às quintas”. A exibição se manteve à altura: as imagens são de uma beleza plástica, envolvente, irretocável. E os atores e atrizes, igualmente irretocáveis. Já na primeira cena somos sugados pela trama ao ver corpos de homens que mais parecem estátuas gregas submersos em uma piscina igualmente - e dramaticamente - bela. Parece até uma pintura, um ballet.

Não vou narrar a história, baseada no livro de Cláudia Piñeiro. Deixo para cada um a surpresa da descoberta. Escrevo apenas sobre algumas de minhas impressões. O cenário me fez lembrar “Match Point”, de Woody Allen. Em vez da aristocracia londrina, no filme de Marcelo Piñeyro quem desfruta de mansões, jardins verdejantes e intermináveis quadras de tênis é a elite de Altos de la Cascada, bairro fechado de Buenos Aires, espécie de grande condomínio. O pano de fundo é a Argentina dos anos 2000, mergulhada em uma crise não menos dramática do que o imenso vazio no qual afundam aqueles corpos sublimes.

“Viúvas sempre às quintas” me pareceu, sobretudo, um filme sobre a relação entre homens e mulheres, com uma temática bastante atual. Crise econômica, de valores, dos sentidos - total falência de vidas dominadas pela ostentação do consumo e pela sedução do dinheiro. Sempre às quintas-feiras, aproveitando a ausência dos respectivos maridos que se reunem para jogar, as mulheres - por este motivo chamadas de ‘viúvas’ – se encontram também.

O filme faz pensar nos papéis ainda hoje – não raramente - assumidos pelos casais. De um lado, homens provedores, esportistas e descolados. De outro, futeis e delicadas mulheres que projetam suas vidas nas costas desses maridos igualmente frágeis, embora cheios de músculos. Se você olhar à sua volta, inevitavelmente encontrará casais assim. Homens e mulheres, casados ou solteiros, que se comportam deste modo: um como anteparo e espelho do outro. Revelando e sustentando imagens difíceis de se carregar.

As vidas das ‘viúvas’ daquele condomínio parecem girar em torno desse ideal masculino de solidez, firmeza, poder, virilidade. Pouco espaço para dúvidas, reflexões, questionamentos, trocas verdadeiras. Tudo parece feito de papel, artifícios, vaidades, invejas. Além dos maridos, que outros cadáveres aquelas mulheres velam?

No entanto, mesmo no condomínio de Buenos Aires, emergem forças de vida menos pusilânimes, que deixam o espectador com uma sensação gostosa, de verdade invadindo a alma. O filme é desconsertante e faz pensar. Sobretudo para quem, como eu, pouco tempo depois do cinema, acaba esbarrando em nichos de vida bem parecidos com os de Altos de la Cascada logo aqui, após o Morro Dois Irmãos. Vez ou outra, a realidade carioca assombra ao invadir limites debilmente traçados. Mas essa já é outra história, que renderia muitos outros capítulos.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Você quer se casar?




Final de semana passado fui a uma festa de casamento - daquelas tradicionais. Acordei no dia seguinte com a sensação de ter ido a várias festas e, ao mesmo tempo, não ter ido a nenhuma. O motivo? São todas muitíssimo parecidas. Claro, as pessoas que se casam são diferentes, existem os laços afetivos, etc e tal. Mas o casamento, em si, é de fato um ritual, repetitivo, que vai se estendendo pela festa. O ritual começa, para as mulheres, principalmente, horas antes da cerimônia. Uma maratona que se inicia no cabelereiro: hidratação, corte, escova, mão e pé, depilação. Antes ainda, você se preocupa com a "questão" do vestido. Vai usar aquele mesmo centenário, que já foi ao aniversário de oitenta anos da sua avó, e ao casamento das suas três melhores amigas? Ou vai dar uma variada e pegar emprestado o da sua prima?

Bom, o sapato você pode usar aquele meio surradinho porque ninguém vai perceber. De todo modo, você faz a unha, para não pegar mal caso alguém repare. Depois de perder horas do seu dia nos preparativos para o casamento, e separar aquela bolsa guardada faz uns quinze anos para ocasiões especiais, você percebe (eu sempre percebo) que aquele par de brincos e cordão não estão mais guardados no mesmo local. Simplesmente sumiram. E o perfume? É comum só lembrar dele quando já fincamos os saltos na rua. Mas... tudo bem. Você dá o seu jeito, afinal, não é nenhuma patricinha de Beverly Hills. É uma mulher descolada do século XXI que não precisa seguir essas regrinhas todas da etiqueta social.

A outra parte do ritual se inicia quando chegamos no templo do casório. Os "anjinhos do mal" entram em ação na sua mente, sussurando uma série de pensamentos irrelevantes. As mulheres se olham, examinam detalhadamente os vestidos umas das outras. Comprou onde? Que lindo! Perguntamos qual foi a loja e, por segundos, chegamos mesmo a acreditar que no dia seguinte, cedo, passaremos lá para comprar um igual, se estiver em liquidação. Os homens que não costumam usar gravatas são também alvo de comentários. Hum... gostei de ver heim! Embebidas em pensamentos deste estilo, sentamos nos bancos da Igreja. Olhamos a imagem de Cristo. Reparamos na maquiagem das mulheres, das mais jovens às mais velhas. A pintura vai ficando carregada e os vestidos, mais largos. Até que viram um amontoado de panos e tiras, que deixam as formas bem escondidas, nas velhinhas de noventa, cem anos. Têm aquelas sem noção, sempre têm.

A missa começa, você torce para o padre ser breve, os olhos das almas emotivas quase se enchem de lágrimas, e embora você considere aquilo tudo um pouco cafona, uma partezinha sua, perdida nos confins do inconsciente, lembra dos finais felizes das novelas de sua infância, e - pasmem - quase pede a Deus para se casar de uma forma parecida. As músicas, as crianças correndo com alianças, quanto mais pequeninhas e fofas, mais angelicais, melhor. Em geral os pequeninos com alianças não seguem o caminho até o altar, empacam no meio do percurso, gerando certa tensão - logo dissipada pelas mãos de um adulto, que vai puxando os bracinhos do(a) fofinho(a) em direção ao casal.

Se rola empatia entre o casal, você torce para que tudo siga bem na vida dos dois. Em geral, faz parte da cerimônia os noivos sorrirem um para o outro. Se olharem nos olhos e se beijarem. Na festa, o noivo é levantado pelos amigos, sofrendo uma espécie de influência das cerimônias judaicas (essas, sim, bastante divertidas). A trilha sonora começa com músicas ao estilo New York, New York, embalos de sábado a noite, coisas dos tempos da brilhantina. Dos anos 70, o tempo corre para os anos 2010, e o pessoal de meia idade começa a dar o fora da pista. Então começam as músicas de boate tipo Nuth, Hip Hop, Funk, e depois algumas dos anos 80, bandas nacionais. Os caras te olham com olhar interessado e meio cerimonioso. Você emite o seu "u-hú" bastante adequado ao ambiente e levanta os braços em direção aos céus. Festa de casamento é o maior zero a zero. Afinal, você não deseja ficar se atracando com ninguém na frente da sua tia avó. Nem macular o clima de pureza angelical à lá vestido da noiva. A noite é toda dela. Ou melhor, deles.

Lá pelas tantas, após ter ingerido algumas caipifrutas, pensado na beleza do matrimônio e acenado freneticamente para os seus familiares te acompanharem com Claudinho e Bochecha na pista... você começa a sentir sono. A decoração, os vestidos, os sorrisos, a música, o local, por mais lindos que sejam... Todos tão parecidos. Tudo se passando como uma grande reprise de "sessão da tarde". Às vezes surgem aquelas fotos dos noivos em um telão, tem as sandálias havaianas, em geral de número bem maiores ou menores que os seus pés. Tem também as anteninhas coloridas para botar na cabeça e bancar o maluco beleza. Mas de maluco beleza, festa de casamento não tem definitivamente nada. Muito pasteurizadas e caretas.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A pequena grande força do acaso



Uma das melhores descobertas dos últimos dias foi o filme O Pequeno Nicolau, baseado na história do ícone francês que tem carisma equivalente ao do personagem "Menino Maluquinho" brasileiro. À princípio, achei a história leve, divertida e sensível. Mas conforme o tempo foi passando, passei a gostar ainda mais deste filme despretensioso, e que por isso mesmo é de uma simplicidade especial.

O filme é interessante por conseguir transportar o expectador para a perspectiva infantil. É como se por duas horas passassemos a ver o mundo pelos olhos do menino, e de forma bastante próxima daquele olhar da nossa própria infância. Nicolau é uma criança bastante sonhadora, imaginativa, que tem alguns amigos com personalidades igualmente marcantes. Algumas passagens do filme são tão bonitas justamente porque bastante singelas. A narrativa é marcada por uma naturalidade que nos faz rir com os personagens.

O imponderável me pareceu o aspecto mais interessante do roteiro do filme. Toda a história é apoiada na imaginação do garoto, que fantasia a chegada de um irmãozinho e acaba se envolvendo nas maiores confusões, por acreditar que será abandonado pelos pais e trocado pelo irmão. Enquanto isso, o pai da criança procura de toda forma ser promovido no trabalho, tentando oferecer ao chefe um jantar, impressioná-lo de alguma maneira, o que se mostra estéril.

O casal não anda bem, briga por qualquer besteira, e a atmosfera da casa é tensa. Mas, de repente, quando menos se espera, o pai de Nicolau evita que o chefe seja atropelado, de forma bastante banal e espontânea, sem qualquer intenção de "impressionar". Um gesto aparentemente bobo acaba fazendo com que ele obtenha a confiança do patrão, e tudo ao redor de Nicolau começa, como que magicamente, a melhorar. O que ficou para mim, do filme, é a idéia de que todos querem controlar seus destinos, mas alguma coisa que escapa, essa força do imponderável, é o que acaba construindo a história real do pequeno Nicolau.

Bacana pensar, já muito distante do cinema, como a gente às vezes se empenha tanto para alcançar, ou evitar, alguma coisa, e de repente, "magicamente", a vida dá um jeito de resolver o que parecia nebuloso. Mesmo as frustrações, que no mundo infantil são ainda mais intensas, têm o seu lugar. Quem não viu, veja.

Como os nossos pais



Ouviu um carinha com quem se relaciona dizendo: "serei sempre assim, é de família, meu avô também era assim"? Então saia correndo. Pessoas que se negam a evoluir espiritualmente merecem "apodrecer no mármore do inferno".

Não me acho perfeita, mas minhas imprefeições não se devem à recusa em tentar modificá-las. Ouço as críticas, quando elas são construtivas, e acho que já mudei muito ao longo da vida graças às críticas construtivas.

Já ouvi essa frase por duas vezes ao longo da vida. Em geral, vem de pessoas que preferem não enxergar as próprias mazelas à fundo, e que de certa forma (pasmem) orgulham-se delas. Certa arrogância pode vir travestida de (pretensa) sagacidade. Ou um bloqueio (sério) afetivo de independência emocional.

A melhor definição desses tipos que desfilam por aí se gabando de suas imperfeições partiu há alguns anos de um astrólogo: "manequim de velório". Imagem triste, não? Contraditória. Ninguém imagina um manequim em um velório. Mas é que a beleza desses seres quase imutáveis esconde uma certa tristeza, petrificada na ausente possibilidade de mudança.

Eu já me afoguei diversas vezes pedindo a mão de quem não deseja mergulhar. Há quem prefira viver na superfície. Direito de cada um. Mas cansei também de um certo papel messiânico de desejar levar luz às trevas. Quero levar luz a quem me iluminar, claro. Pessoas que se acham muito sagazes, críticas, ou acima da maioria dos mortais não merecem mais minha energia, empenho e dedicação. Inteligência sem sensibilidade não leva a lugar algum. Nada de manequins de velório!