sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Caiu na rede? Cuidado, peixe!


É possível fazer uma ideia do tamanho do ego de algumas pessoas somente avaliando o número de postagens (comentários, fotos) que inserem diariamente em redes sociais. Se a pessoa não faz parte de nenhuma rede social: parabéns! Que tal, antes de pensarmos neste ser humano como um deslocado sem assunto, imaginarmos que pode se tratar de um homem ou mulher bem resolvido(a), que não precisa alimentar seu ego divulgando aos quatro cantos o que ele ou ela anda pensando, ouvindo, assistindo... fazendo?

Se a pessoa é dessas que insere um número de comentários, links, ou fotos razoável... talvez seu ego seja de um tamanho normal, razoável. Mas... e quando passa de um certo limite..? Pode ser um caso de carência crônica, de ego inflado ou falta mesmo de uma subjetividade mais criativa.

A verdade é que, tenho pensado, a vida real é tão mais bela, intensa e verdadeira do que algumas horas de interação por essas redes sociais... tão mais! A questão é que, agora, aqueles minutos de fama citados por Andy Warhol estão realmente acessíveis para qualquer um. Basta inserir a própria foto em uma página eletrônica, colecionar alguns “amigos”, fazer comentários mais ou menos constantes e tentar tornar a sua vida suficientemente atraente para despertar a atenção alheia.

Mesmo as pessoas que não têm absolutamente nada a dizer sentem-se satisfeitas por serem vistas, “cutucadas”, “curtidas”, enfim, notadas. É uma celebração coletiva da carência – a nossa e a alheia. Tem gente que só falta anunciar o momento de ir ao banheiro.

O comportamento humano também tem me surpreendido nos mais variados ambientes. Já notou no trabalho, como as pessoas agem? Existem aquelas que trabalham, aquelas que trabalham pouco e aquelas que simplesmente não trabalham. O que une todos esses grupos é a vontade cada vez mais constante de mostrar que se está trabalhando. Quanto mais alto as pessoas falam, produzem a sensação de que mais coisas estão fazendo. “Alô? Oi! A planilha eu te enviei. Mas não recebi ainda.. O que? Ah, semana que veeeem? Obrigadaaaa”. Os outros são sempre os incompetentes. As pessoas que falam alto, em geral, trabalham bastante.

Também no trabalho, nota-se a vontade de aparecer, de parecer. Não basta produzir, é preciso ficar bem na foto. Neste ímpeto de ficar bem na foto, muitos se lançam nas chamadas “panelinhas”, movidas por um impulso semelhante ao dos participantes de reality show – não sentir o peso da exclusão. A velha história de entrar no jogo da maioria. Nestes ambientes, florescem as fofocas, os comentários sobre a vida ou o desempenho alheio... Ou seja, a atmosfera de bisbilhotice que originou as redes sociais.

Não precisa ser assim, claro que não. Mas sou contra a proliferação da mediocridade humana, seja em qual ambiente for. Se você caiu na rede, pode ser uma grande alegria. Quem sabe a celebração de um novo espaço coletivo, de um estranho novo comunismo onde todos são quase iguais no que diz respeito ao consumo de fatos e ideias. Mas... cuidado para não virar apenas mais um peixinho morto nesta maré de grandes "novidades".

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Solteira(o) no Rio de Janeiro?


Inconstante, incoerente e superficial. A vida de solteira(o) por alguns momentos te parece assim ? Ouvi recentemente esta definição de uma amiga e fiquei pensando no quanto este aspecto da solteirice já me incomodou. Ser solteira, em alguns momentos, pode se parecer com o estado terminal de alguma doença grave (principalmente se você nasceu ainda na década de setenta, ou, vai lá, no comecinho dos oitenta...). É que nesta fase boa parte das mulheres começa a se encantar com bebês fofinhos que passam no meio da rua, a pensar em esquentar mamadeiras e viver, em família, algo próximo aos comerciais de margarina.

Viver uma rotina feliz, com o homem e os filhos amados bem próximos, em uma casa simpática. Ter um trabalho legal. Poder, vez em quando, viajar pelo mundo, ou pelo país, ou mesmo pelo bairro. De mãos dadas. É ou não é o que boa parte das mulheres (ainda) procura? O mesmo vale para o sexo masculino, com as devidas adaptações. A questão é que esta felicidade nem sempre mora ao lado... Às vezes, acontece de não encontramos a tão sonhada realização por meio da história-margarina. O que fazer?

Para começar... as pessoas não deveriam se definir como “solteiras” ou “casadas” ou “namoradas”. Tem tanta gente casada mais só do que tanta gente solteira. Tanta gente solteira que sabe namorar tão mais do que tantos casais de namorados... E por aí vai. O que agrava a vida de solteira, especialmente hoje em dia, é a superficialidade dos contatos travados entre os sexos. Ainda que seja só sexo, ainda que tenha sido apenas só por uma noite, as pessoas andam muito pouco... criativas, generosas, amigas, cuidadosas.

Se quisermos particularizar a questão, existe um tipo específico de solteiro(a) que age como alguém da Idade da Pedra, puxando pelo braço, agarrando pelo pescoço, atacando na maior sem cerimônia. Sem o menor estilo. Esta espécie, que talvez encontre algum tipo de anabolizante perfeito para se proliferar nas condições climáticas do Rio de Janeiro, também existe, é claro, em todo o continente e por todo o planeta.

Pessoas que dizem que vão ligar e não ligam, que demonstram um afeto falso, que desdenham da consideração e do sentimento das outras pelo simples prazer de alimentar o próprio ego e se envaidecer. Gente que cultiva diversas relações paralelas sabe-se lá para quê. Quando seres como esses topam com gente que, ao contrário, curte se relacionar (ainda que seja durante um simples chope, ou para uma boa transa...) a situação complica.

Nem sempre é fácil identificar esses “tipos” pelos músculos e pelo estilo easy going. Também podem usar óculos e ter cara de intelectual. Ou podem usar saias e ter cara de menina muito sensata. O fato é que pessoas que não sabem – ou não desejam – se relacionar afetivamente existem por toda a parte. Infelizmente, parecem encontrar hoje em dia mais força para reafirmar esta estranha identidade.

Casada(o) ou solteira(o), não deixe que ninguém te defina com base em uma dessas condições que, sim, são passageiras. Não somos, mas estamos. E, estando, vamos sendo... O que importa é o movimento, a nossa busca pessoal, seja pelo que for. Momentos de alegria profunda e genuína experimentamos tendo ou não alguém do nosso lado.

Para escapar da superficialidade, da incoerência e da inconstância, não é preciso que a gente tente, com esforço, se agarrar a uma dessas cercas de fazendinha de comercial de margarina. A busca é mais profunda e, sim, exige algo que encontramos estando ou não solteiras: introspecção e solidão.

domingo, 12 de junho de 2011

Dia do Beagle - 12 de junho - viva o Amor!



Muito me alegra acabar de ler o artigo de um bem humorado colunista que nos informa ser hoje também o Dia do Beagle, o Dia da Rússia e o Dia de Santo Onofre, um eremita que viveu mais de 60 anos no deserto. O que importa neste 12 de junho é lembrar a importância do amor. Sim, por mais piegas e lugar comum que isso possa parecer, o amor ao Beagle, à Rússia, à solidão, devem ser celebrados, não apenas hoje, mas sempre. O amor é lindo, ele move o mundo, etc... Criaram um dia para comprarmos mercadorias em nome deste sentimento tão nobre. Dane-se a data, que ela nos faça valorizar e estimar ainda mais o Amor em seu sentido mais amplo – que anda a cada dia mais multifacetado e colorido.

A propósito, sobre o tema do amor multifacetado e colorido, assisti recentemente a uma entrevista do cartunista Laerte, que assumiu a porção mulher que até então se resguardara, como sendo a “porção melhor que guarda em si agora”. Para quem não sabe, Laerte tem filhos, passou a maior parte de seu tempo nesta Terra como um homem e, recentemente, decidiu se travestir de mulher, num gesto de extrema coragem e ousadia. Ponto para ele – que está redescobrindo o Amor.

Ainda “a propósito”, um filme interessante em cartaz, que tematiza o lugar do feminino e do masculino por meio de uma deliciosa ironia, é “Potiche: Esposa Troféu”, protagonizado pela Catherine Deneuve. Embora ambientado na década de 70/80, o filme traz à tona uma reflexão bastante atual. Sobre o amor em seu sentido mais abrangente, como descoberta do mundo, da política, de si (nós) mesmo(s).

Enquanto vejo muita gente reclamando da falta de amor, ando em um momento oposto. Como o ser humano é interessante! Como a vida é interessante!

Se você não teve a quem dar um presente, compre-o para si mesmo. Ou para o seu cão. Compre um mapa-mundi, localize a Rússia - ou qualquer outro país - e pendure-o na parede da sua casa. Isso nos ajuda a ter a dimensão da amplitude da vida, do espaço, e da pequenez de nossas angústias cotidianas. Enamorar-se é ver a vida de outra forma. E por que precisamos de alguém do sexo oposto – ou do mesmo sexo – para nos provocar esta sensação de maravilhamento diante do mundo?

Se você não (re)descobriu o Amor, faça como a personagem de Deneuve no filme: por mais estranha que possa andar a vida, preste bastante atenção no que te faz cantar: “C’est beau la vie!”.

Sim, a vida é bela! Neste "Dia do Beagle", acredite: não é preciso ninguém em especial para que possamos nos lembrar disso.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Paul para presidente!


Ele sorri para o povo, faz questão de chamar os integrantes de seu eleitorado pelo nome, agradece a todos que participaram da campanha, não poupa esforços para oferecer aos outros o melhor de si, sua a camisa e parece incansável. No rosto, a gente ainda enxerga o mesmo menino que, há algumas décadas, representava o sonho de uma multidão de jovens e adolescentes. Como Paul MacCartney “manda bem”! E faz isso tudo acreditando, profundamente acreditando. Talvez por isso, nos faça acreditar.

Comanda, hipnotiza, com uma suavidade e espontaneidade que faz velhinhos e crianças erguerem os braços, entoando: “I wanna hold your hand”.

Eu não era fã de Paul. Sempre gostei dos Beatles, mas ele, particularmente, me passava uma impressão de ser muito politicamente correto, comportadinho. Que nada. No Engenhão, me rendi ao bom comportamento, ao humor e à receptividade deste eterno garoto de Liverpool. Guiados pelas mãos e pela voz dele, a gente viaja no tempo, e percebe como são raras - e preciosas - as estranhas combinações do acaso - ou destino? - que nos brindam vez em quando com talentos como os Beatles, e o MacCartney.

Quero que Paul administre meu condomínio, faça parte da minha associação de bairro, governe a minha cidade, tome conta do meu estado, presida o meu país. As credenciais que o habilitam ao cargo não têm a ver com o fato de advogar em favor dos direitos dos animais, ser contra minas terrestres ou adepto da comida vegetariana e da educação musical. Nem com o fato de empunhar nossa bandeira e dizer, em quase bom português, "eu sou carioca".

Quero tudo isso talvez porque Paul ainda nos faça - no melhor sentido da palavra - cantar. Com ele, cantamos e cremos, de coração e em coro com Lennon: "All we are saying is give peace a chance" e "All you (we) need is love"...

Paul sabe reger, compor, (nos) tocar, ser. Por meio da música, nos faz vislumbrar outras tantas realidades, em que acordes tristes viram coisas tão belas. Hey Paul... Fenômenos como este a gente nem tenta explicar: apenas reverencia.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Eu te amo eu te adoro - sobre as manifestações do Amor (?)


Acabo de ler um livro curioso, indicado por um amigo. Chama-se "A felicidade, desesperadamente" - apesar do nome, o livro não pretende ser de auto-ajuda. É um livro de filosofia. Ao contrário do que muitos possam imaginar, o tal do desespero do título não tem aquele cunho negativo. O termo é relativo à ausência de espera. A felicidade aqui e agora: sem esperas projetadas para o futuro.

O livro nos fala do modo platônico de ser e de viver, sempre calcado no desejo como ânsia por alguma coisa que nos falta, como esperança de um vir a ter/ser algo. No entanto, essa forma platônica de viver, diz o autor, não traz felicidade. A felicidade seria construída a partir de uma relação de “gozo, de saber e de poder”.

"Não se trata de se impedir de esperar: trata-se de aprender a pensar, a querer e a amar". A felicidade consistiria em nos ocuparmos daquilo que depende exclusivamente de nós, da nossa vontade, da nossa capacidade de imprimir a nossa marca no mundo.

Mas.. isso é tão relativo - não é? Porque antes da vontade de modificar as coisas, e da capacidade agir nesta direção - não existiria então ela: a esperança? O sonho, a fantasia, e – por que não - a espera?

O que é possível e o que é impossível? O que depende e o que não depende de nós? É meio incerto...

A questão é que muita gente se contenta em "ter" ou "não ter" esperança. De um lado, os sonhadores, os "lunáticos", os que esperam, sem agir. De outro, os pragmáticos, ou "realistas". Aqueles que tudo fazem, sem esperar. Mas essa dicotomia só confunde, já que o barato da vida é justamente essa fusão de sonho com "realidade", das "esperas" com a ação.

O livro também fala de amor, e a propósito deste tema, fui ver o filme - Amor ? - de João Jardim. No filme, os atores estão excelentes, embora nem todas as histórias sejam tão intrigantes quando o questionamento que o título faz supor. O filme apresenta um amor (?) em sua vertente mais primitiva, e egoísta também. Coloca em cena um certo amor humano, nem sempre tão elevado.

A partir do filme, e do livro, penso que a felicidade talvez repouse na tentativa de acolher e equilibrar nossos instintos mais primitivos - que, SIM, são calcados no desejo como falta – e também na busca de certa transcendência dessa nossa natureza humana.

No livro, o autor interroga se amor seria mesmo isso que nos leva a dizer "te amo", "te adoro" ou "te quero". Essas formas de declarar nosso querer carregariam, nelas mesmas, o desejo de posse, que faz naufragar tantos e tantos encontros amorosos.

O bebê quer possuir o peito da mãe, a criança quer o brinquedo da vitrine... Uma criança não olha a boneca e pensa "fico feliz por você existir, boneca". A criança quer a boneca, para ela! O menino quer a bola, para ele! E isso já vem com a gente. O desejo como necessidade daquilo que falta, necessidade de possuir, de tornar nosso.

Acho que a felicidade talvez esteja mais próxima de um equilíbrio entre essas forças complementares e até mesmo opostas. Entre o amor "desesperado" e a necessidade de acolher esta espera, esta falta – dizendo, sim!, "te amo, te adoro, sinto a sua falta”... Gostar envolve uma falta. E qualquer tentativa de negá-la me parece uma forma de tentar refutar o que nos é mais elementar.

A falta (e, com ela, a esperança) movem a humanidade: não apenas paralisam.

Me parece que alguns livros e filosofias giram em torno da tentativa de minimizar toda uma espécie desconforto que (também) é da vida, e do amor.

Que a sabedoria do desespero possa ser incorporada à nossa espécie que (felizmente) espera e se desespera. Não para reforçar um modo de vida pragmático e sem vigor, mas para tornar mais rica, bela e perturbadora esta falta que nos impulsiona.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Salve Salvador: da mortalha ao império do abadá


O “bloco” do Obama passou pelo Rio, estamos quase no período de Páscoa – festa que condena a carne... e o carnaval já faz tempo acabou. Acabou? Este ano, estive em Salvador. Há cerca de 35 anos¸ meu pai também passou por lá. Hoje, um abadá para assistir ao trio da Ivete, conhecido como Coruja, custa cerca de R$ 800. Naqueles outros tempos, meu pai se divertia dentro de um pano chamado de mortalha, adquirido por uma ninharia, e que dava uma espécie de passe livre pela folia baiana. A mortalha era apenas um charme, um toque, e não um pré-requisito para pular o carnaval. Entre a mortalha e o abadá rolaram, portanto, algumas décadas, muito dinheiro e grande parte da espontaneidade de uma festa que há tempos não é do povo.

Hoje em dia, entre o povo e os que pagam – caro – para acompanhar de perto seus trios, existe uma corda. A corda demarca uma espécie de sesmarias conquistadas pelas camadas mais abastadas que desfrutam do carnaval. A corda simplesmente torna mais caro o metro quadrado que existe ao redor do trio. Quem pula carnaval dentro da corda, conquista uma remota sensação de segurança, e de alegria. Mas a chamada “pipoca” – nome pelo qual é conhecido o espaço povoado pelos desprovidos de abadá - me ofereceu na Bahia alguns dos melhores momentos do carnaval. Andando ao lado dos “filhos de Gandhi”, acompanhando as pessoas na mais contagiante “muvuca”, pude migrar de um bloco a outro, ainda que com alguma dificuldade, e curtir o carnaval de outro ponto de vista. Muito mais democrático.

Para os que dizem ser “perigoso”, alego que Salvador está muito bem policiada, ao menos durante o carnaval. Volta e meia passavam filas de policiais marchando, e o baiano parece se orgulhar muito da festa, e curtir também. O que fez falta foram latas de lixo e banheiros químicos. Ao que parece, quem não tem abadá também não tem espaço para descartar seus resíduos.

A Bahia é uma espécie de parque temático do carnaval. Ou, poderia dizer, a indústria do carnaval é uma espécie de “Disney” baiana. Nesta época do ano, Salvador se transforma para abrigar pessoas das mais variadas partes do mundo, com toda uma infra-estrutura que torna seguro o processo de compra, venda, recebimento e também customização (!) de abadás. Só para pegar o meu, eu levei cerca de 20 minutos para ir e 20 para voltar de um centro de convenções. No local onde pegamos o abadá, passamos por pelo menos quatro guichês, protegidos por seguranças munidos de walk talks, trajeto que eles chamam de “Check in de abadá”. Com este paninho em mãos, que nada mais é do que uma blusa com o nome do seu trio ou camarote, você atravessa um corredor cheio de lojinhas.

Quem disse que só o Mickey tem sua linha de produtos, levando o desenho daquelas características orelhinhas? O Chiclete com Banana também deixa sua marca, no caso, uma patinha símbolo do bloco Camaleão, em bolsas, blusas, carteiras... Enormes pôsteres estampam a cara dos integrantes do Asa de Águia e seus colegas de folia, todos cultuados como reis e rainhas da festa de Momo.

É impressionante, nos comerciais de tevê, aparecem Ivete, Cláudia Leite e demais divas do carnaval passando recados de utilidade pública e reforçando mensagens sobre a importância do uso da camisinha e do aleitamento materno. Nos camarotes, e mesmo nos trios, rola solto o patrocínio. O carnaval é das marcas de cerveja, refrigerante, banco ... Tudo parece convergir para o merchandising.

Dentro do meu abadá, tive que disputar espaço no trio com mulheres caracterizadas como cheerleaders. Balões de gás em punho, elas faziam coreografias em nome de uma marca de celular. Os trios, bastante sofisticados, com letreiros luminosos e até bichos e personagens infláveis, até se assemelham a carros alegóricos, ou mesmo aos símbolos dos parques temáticos americanos.

Mas a verdade é que não posso reclamar... Pude acompanhar Daniela Mercury de dentro de um taxi, enquanto chegava ao circuito praiano do carnaval, intitulado Barra-Ondina. O rádio me trouxe certa sensação de nostalgia. Salve salvador/me bato me quebro todo por amor/eu sou do Pelô / o negro é raça é fruto do amor...

Mas a lembrança foi embora de táxi. Já no chamado circuito, pude observar que do alto dos trios elétricos personalidades como Hebe Camargo hoje fazem a festa. A mídia atribui a essas pessoas alguns dos “pontos altos” do carnaval (talvez pela altura que de fato separa as estrelas do restante da população). Não posso lamentar: as músicas mais antigas são reprisadas, se não pelo artista original, certamente pelo seu cover, ou clone. Cheguei a tirar foto de uma mulher e um homem, com a voz parecidíssima com Mercury e Brown, mas logo me informaram que não eram os originais. Eram as cópias. Uma coisa é certa: sob o ponto de vista de quem comanda alguns dos trios, o carnaval baiano é uma riqueza só.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Para além da implicância


"Os holandeses têm por cultura implicar. Detesto gente implicante", ouvi recentemente de uma amiga na praia, comentando a respeito de um ex-ficante. Minha amiga falava sobre uma implicância cultural, reforçada e repassada geração após geração. Nunca tinha parado para refletir sobre a gaiatice dos holandeses, mas este comentário me fez pensar naquela implicância cotidiana, corriqueira, que por vezes apimenta, e por outras mina as nossas relações mundo afora.

O jornalista Artur Xexéu é mestre no estilo implicante. Gosto dele. Acho debochado na medida certa. Mas por conta disso, claro, deve colecionar muitos desafetos. E quando a implicância transborda o campo profissional e passa a inundar a nossa vida pessoal, quero dizer, a relação entre amigos, namorados, maridos e mulheres?

Já parou para pensar se você é um ser dotado do germe da implicância? Eu sou. Mas tento manter a minha em um nível saudável. Em geral, esse filhotinho de alfinete - que também pode ser traduzido como alfinetada, pinimba, picuinha - é acionado por motivos totalmente passionais. Implicância costuma ser ativada de maneira automática, impulsiva, quando nos deparamos com ideias, comportamentos ou valores que colidem com os nossos.

Já parou para pensar? Quem pára para refletir no meio do ímpeto de alfinetar, acaba não implicando. A verdade é que existem muitas formas de manifestar discordância diferentes da provocação e do deboche (que nada mais são do que vertentes da implicância). Implicância, dependendo da situação em que é acionada, pode beirar a falta de respeito, de capacidade de ouvir o outro. Em algumas situações, se impõe como uma forma de poder. Quem implica demais, desqualifica. E talvez esteja apenas camuflando a sua própria insegurança.

Nas relações entre casais, defendo a implicância do bem - aquela leve, que é na verdade um afago - em doses homeopáticas. Se ela vem a serviço do humor (esse sim saudável, pacífico e brejeiro), bendita seja a implicância! Às vezes, a gente se leva demais a sério - e quando o outro nos lembra do lado bobo da vida, com uma implicanciazinha bem humorada, tá valendo! Também é comum aparecer esta implicância, que é carinho, quando algo nos diverte ou surpreende. Mas em diversos outros casos, ela só nos afasta dos amigos, e enclausura em uma pretensa torre de "sabedoria". É comum a implicância se disfarçar, revestindo-se de muitas boas intenções para ficar parecendo bacana.

No meu caso, implico por puro carinho, ou ainda com pessoas/comportamentos pedantes, por exemplo. Tenho implicância com quem se acha dono(a) da verdade, ou mais esperto e sabichão do que os outros. O indivíduo pode até "se achar", mas tendo a antipatizar com ele se for avesso ao debate, ao diálogo - ou seja, se não souber ouvir, relativizar, ponderar. Sou pela simplicidade, pelas ideias inacabadas, por vezes até mal expressadas, mas que transmitem uma verdade, uma reflexão genuína.

Escrevo isso tudo também a propósito de uma crítica que li sobre o filme Bruna Surfistinha, estrelado por Debora Secco, e que foi alvo de muitos comentários implicantes. No caso da (bem escrita e fundamentada) crítica em questão, de Rodrigo Fonseca, fiquei com vontade de ver o filme (por pura implicância, talvez eu não visse, se não tivesse lido o texto).

Antes que eu, virginiana implicante por natureza, fique com pinimba deste post, finalizo com a provisória conclusão de que muito mais interessante é descobrir o ser humano existente para além da implicância. Digo isso porque tem gente que vira a própria implicância e torna-se um verdadeiro personagem (aquele que talvez esteja apenas disfarçando uma timidez, desconforto ou insegurança). Eu gosto da implicância do bem, que serve para aproximar, quebrar o gelo, apimentar os debates, fazer rir e refletir. Uma, favorece a existência, a outra, é nociva à convivência.

domingo, 23 de janeiro de 2011

A doçura de Chaplin, Amy e a agenda




Soube que o pai da Amy aparece em um documentário filmando a própria filha. Ela é pega de surpresa e fica incomodada por estar sendo flagrada, sem permissão, pelo seu progenitor. Pensei então que “ninguém merece” um pai desses. Putz. Igual ao pai de Michael Jackson. Cara de pau ficar dando entrevistas como se fosse o melhor amigo do filho, tirando casquinha da estrela pop.

Não conheço quase nada sobre o pai da inglesinha . Mas ele aparece na letra de Rehab “And if my daddy thinks I'm fine / He's tried to make me go to rehab / But I won't go-go-go”.

Será um caso de birra infantil a moça não querer se tratar? Estou brincando, claro... Mas vejam na foto como Amy, se deixasse de ser birrenta, poderia ser tão bela mulher. E quando digo que ela deveria dizer “sim”, eu me refiro ao retumbante “sim” que devemos diariamente dizer à doçura de nós mesmos. A reabilitação seria apenas uma conseqüência.

Seguindo uma linha de "análise" mais pragmática, talvez a reabilitação de Amy como artista dependesse também de posturas mais agressivas da platéia. Em vez de risos e aplausos, oferecer limites à moça. Quem sabe uma poderosa vaia? Para o amadurecimento artístico, talvez fosse um caminho. Um público mais rebelde para que a menina fique menos, digamos, "mimada".

Por falar em mimo e doçura, faço agora uma singela homenagem a Chaplin (os passinhos da cantora me fizeram também lembrar dele). Em certas situações, o silêncio vale mais que mil palavras.

Por exemplo, eu estava doida por uma agendinha, dessas que tem frases e poesias espalhadas pelas páginas, mas não encontrava em lugar algum. Minha irmã, militante de esquerda, vende dessas agendas, para arrecadar fundos para o partido. Mas eu queria uma com a capa do Chaplin, e não tinha mais. Tristeza... Estava com uma estranha sensação de que meu ano ainda não havia começado, sem aquela agenda.

Eis que de repente, não mais que de repente, ganho de presente a tal da agenda, justamente com Chaplin na capa... A pessoa que docemente me presenteou não tinha como adivinhar este meu tão secreto anseio. Mistérios da vida. Fiquei sem palavras...

Deixa a menina crescer!


Fui ao show da Amy Winehouse. Gosto da moça porque ela manda às favas as boas maneiras, não quer ser exemplo de nada, tem algo de autêntico e indomado. Tudo isso sem contar, é claro, com o vigor da sua voz. Mas é Amy quem leva o show ou o show que leva ela? Marco a segunda opção. Triste ver uma cantora tão refém da própria imagem. Claro que é ela a maior responsável pelo seu estágio de alcoolismo e entorpecimento. Mas fica a sensação de que a platéia e o show business aplaudem e jogam amendoim justamente para a moçoila largadona, ferradona, como se toda aquela bagaceira fizesse parte do show.

"O que será que ela vai aprontar agora?", concentrava-se, apreensiva, a platéia. Alguns achavam muita graça, vibravam até. Então Amy retorna de sua jornada rumo aos subterrâneos do palco com uma garrafa na mão, e um caminhar à la Charles Chaplin embriagado. Dando pulinhos como uma criança serelepe, meio perdida no meio daquela cena, a inglesa agarrava os amigos da banda pelo pescoço, visivelmente fora de si.

Amy delegou aos amigos um pedaço do show, esqueceu trechos das letras, se distraiu com as luzes do palco e, mesmo assim, o público de modo geral parece se sentir recompensado. "Ufa! Ela não abandonou o palco antes da hora!!". "Qualquer quinze minutos de Amy já vale à pena", eu li num jornal. Triste o povo que precisa de shows como este.

Eu fui, me diverti, mas não posso dizer que Amy mandou bem. Ela poderia ser tão mais... Amy. Pena que não ajudem a menina a crescer. Pena que Amy ainda não tenha se apoderado de si e da pujança da própria voz. Numa espécie de irreverência às avessas, encorajada talvez pela legião que a acompanha, ela segue bradando no and no and no.