domingo, 31 de agosto de 2008

Domingo de Chuva



Nada como um domingo de chuva para nos reencontrarmos com nós mesmos. Às vezes, ao longo do dia, a gente se perde da gente. Comigo, acontece com alguma frequência. O tempo de desencontro é que varia, de acordo com a paz interior que levo no momento.

Eu já me perdi de mim entre um telefonema e outro, um email e outro, um afazer e outro. Já me deixei em algum lugar do passado para retornar, tempos depois, e dar as mãos a mim mesma. Ao contrário, também já topei comigo em algum lugar do futuro, completamente perdida, com a sensação de ter chegado antes, quando ninguém ainda estava lá. Ou de ter chegado depois, quando todos já tinham ido embora. Nessas horas, o melhor que temos a fazer é nos encararmos de frente, como quem diz "Então você está aí? Não me faça esta cara! Volta aqui, vamos em frente! E juntas dessa vez, ok? Não descole do meu lado!".

Tem gente que passa a vida evitando encontrar-se consigo mesmo. No caso de algumas pessoas, o esporte predileto chega a ser o oposto: uma espécie de pique-esconde eterno e profissional.

Olhar para o nosso rosto, aquele mais recôndido, exige coragem. O rosto que exibimos aos outros, este, está quase sempre igual. O cabelo muda, e também o tom da pele, dependendo do clima. Mas e o outro rosto, aquele que a gente não enxerga no espelho? Esse, a gente tem que se empenhar para enxergar, acolher, aceitar. Com carinho, entrega, coragem.

Tem horas que é melhor deixar esse nosso rosto ali mesmo, escondido da gente. Mas se a demora for grande para fazer o "resgate", cuidado: o momento do reencontro pode ser fatal. Pode acontecer de você não se reconhecer mais naquele rosto esquecido. E fazer de conta que
nem é com você... As consequências disso, boas ou más, só mesmo cada um experimentando...

Às vezes a gente foge da solidão, mas o mais importante na vida é o encontro com ela, ou melhor, com a gente. A solidão é o momento desse eterno reencontro com o que somos, com o que vamos sendo, com o que seremos. Por isso, por vezes tão temida, a solidão é, na verdade, tão preciosa.

Neste domingo eu amei ficar comigo, o dia inteiro, fazendo simplesmente o que tive vontade, na hora em que tive vontade, pensando e ouvindo e lendo e escrevendo o que dava vontade.

Se a gente encara de frente a nossa própria solidão, nunca estaremos sozinhos. Pode parecer óbvio isso, mas é uma obviedade tão boa de sentir e de lembrar...

E não é que no meio desta tarde tão gostosa eu ouço, no rádio, na voz da Maria Bethânia, uma música linda, que há tempos eu não ouvia. Reproduzo aqui para vocês ...
E recomendo ouvir, na voz da Bethânia e também do Almir Sater.

Ando devagar porque já tive pressa
Levo esse sorriso porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe
Só levo a certeza de que muito pouco eu sei
Eu nada sei

Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs
É preciso amor pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir


Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha e ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro levando a boiada
Eu vou tocando os dias pela longa estrada eu vou
Estrada eu sou

Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs
É preciso amor pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir


Todo mundo ama um dia
todo mundo chora
Um dia a gente chega, e no outro vai embora
Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz
E ser feliz


(Tocando em Frente - Almir Sater)


Quem desejar ouvir...



quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Homenagem a Pierrot


Já que falei nele...

O Pierrot é um personagem da Commedia Dell’Arte, apaixonado pela Colombina, mas não é correspondido. Representa a idealização do amor. É um sonhador, tradicionalmente retratado com uma lágrima escorrendo pelo rosto e vestindo blusa e calças bufantes brancas.

Aproximação


"(...) a aproximação, do que quer que seja, se faz gradual e penosamente - atravessando inclusive o oposto daquilo de que se vai aproximar"

Adoro esta frase da Clarice. Acho tão especial.

As melhores descobertas são aquelas que se fazem aos poucos. As melhores amizades, se tornam sólidas aos poucos. Os melhores amores. Os melhores dias. E a felicidade não teria a menor graça se não tivesse havido, em algum momento, a busca da felicidade. E a sensação de que também ela é tão passageira.

A gente cresce com o sofrimento. Quem fica rindo o tempo todo é palhaço de circo, e palhaço sem graça. Porque o Pierrot tem uma lágrima. E até mesmo o bom palhaço de circo tem muito de trágico. Eu sempre gostei do Pierrot. Nunca gostei de pessoas que se mostram apenas fortes. Eu gosto é de ver onde cada pessoa se esconde. Onde cada um é criança com medo do escuro. É aí que mora o mistério de cada um de nós.

A gente se apega, sobretudo os que têm a lua no signo de Touro. A gente se apega às coisas da vida. Mas é preciso se desapegar, deixar ir embora... Deixar vir, e ir, vir, e ir... Igual às ondas do mar. O que fica mesmo é o gosto de sal na boca.

A melhor parte da praia, e da vida, é o gosto do sal no corpo, e na boca.

Não estou com vontade de escrever nada que faça sentido hoje. Quero o non sense. Quero o surreal. O extraordinário. À propósito, eu fui à exposição. Eu vi a cara da barata e ela estava viva! Portanto, zIMILORDISHT para vocês.

sábado, 23 de agosto de 2008

Distraídos venceremos



Acabei de ler uma frase que achei bonita, do Paulo Leminski: “Distraídos venceremos”. Eu faço parte da legião dos distraídos. A distração, muitas vezes, acontece quando geralmente estamos prestando muita, mas muita atenção em outra coisa que não na realidade concreta. O distraído vive envolto em pensamentos, fantasias, devaneios, emoções... e, não raro, em expectativas. “Nós somos feitos da matéria dos sonhos”, diz uma outra bela frase, essa atribuída a William Shakespeare. Acho que sonhar é muito bom, realmente ajuda a "vencer" a vida. Mas o risco é que o excesso de sonho faça a gente dormir no ponto. Sem notar se estamos ou não na estação correta...

Já que expectativas são às vezes nefastas, o negócio é viver o tempo presente e confiar na eficiência do cosmos, do acaso, que vai nos proteger enquanto andarmos por aí distraídos...

Expectativas desleais

Acho que a vida traria muito menos sofrimento se não fossem as expectativas... Você fez uma entrevista de emprego. Chega em casa e já começa a se imaginar ali, com aquela gente bonita, saudável e bem paga. Feliz da vida. No entanto, a seleção foi severa e você, infelizmente, não foi escolhido. O que fazer com o sentimento que fica no peito, de fome não saciada? Com quem você pode reclamar, reivindicar seus direitos? Afinal, em casos como esse uma parte sua foi imensamente prejudicada. Aquela simples possibilidade te acenou com uma vida inteira que você queria viver, e que você estava preparado para viver! Mas subitamente o chão se abriu sob seus pés e você foi atirado no vazio.

Ou então você conhece um cara (ou uma mulher). O cara te parece atraente. O cara te parece gentil. O cara te parece inteligente. Sensível. No entanto, o cara vai e ... puft! Some. Some antes que qualquer forma de relação minimamente consistente tenha se formado. Você praticamente só sabe o nome dele. E aí, o que acontece? Você se frustra terrivelmente, pois um filme já havia se passado em sua mente, um filme lindo que... só você viu! Sumir é algo comum, principalmente neste cenário carioca. Eu sumo, tu somes, ele some. Nós sumimos, vós sumistes?, eles somem.


Essas situações acontecem comigo, com você, com todo mundo. Expectativas já impediram que relações iniciassem, já destruíram outras existentes, já causaram brigas, desilusões, guerras. Melhor mesmo seria viver sem elas. Mas dá? É difícil.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Sobre grunhidos e macacos



Já que estamos falando dela, que foi consagrada como a "escritora do indizível"... decidi falar aqui da insuficiência da linguagem para dar conta da experiência humana... Noooossaaaaa! Alguns acharão isso muito "hermético", mas não é não. O pensamento aqui é até bastante rústico. Às vezes acho que quanto mais a humanidade foi se sofisticando em termos de aquisição de linguagem, mais ela ganhou em termos de mal entendido. Pense bem: no tempo do homo sapiens não existia o famoso "D.R" - Discutir a Relação. Se a macaca estava irada, ela dava uns murros no chão, batia com a "clave" na cabeça do macho, e ia dormir tranqüila. Ou vice-versa.

Quando olho para trás, percebo que a maior parte de meus desentendimentos foi em decorrência delas, as palavras. Você diz uma coisa e a pessoa entende outra. Ou a pessoa diz uma coisa que te remete a "traumas" de sua infância e você sofre em dobro (porque o sofrimento que vem da memória, das interpretações dos fatos, é de qualidade ainda mais requintada, do tipo tortura chinesa: devagar e sempre...). E quando você lembra de certas coisas ditas que não te "remeteram" a absolutamente nada, mas que te feriram como facadas no estômago? E a hora de dizer "eu te amo" para alguém? Pode parecer que não, mas tem muito casal que passa a amar depois disso, ou, ao contrário, se sente tão inferiorizado diante dessa expressão que acaba desconfiando do sentimento e encerrando a relação. Outro dia ouvi no trabalho uma frase sensacional. Um colega disse assim: "Até que a morte os separe" é um convite ao assassinato. Por que essa frase, proferida por um padre, causa em quase todo mundo uma sensação de asfixia? E porque a palavra "colega" irrita tanto?

Apesar de nós, humanos, nos acharmos "muito bons", a verdade é que ainda grunhimos como macacos. Eis toda dor e delícia de sermos o que nos tornamos, ao longo da evolução da espécie. Tenho certeza de que as palavras não correspondem às coisas. Elas criam as coisas. E destroem também. O que há de melhor nelas é o que elas não conseguem dizer. Vou me sentir muito feliz no dia em que conseguir dar menos valor às palavras e realmente ler e viver nas entrelinhas. Como fazia a Clarice.

A minha, a sua, a nossa Clarice



A exposição "A hora da estrela", que recebeu 290 mil espectadores no Museu da Língua, em São Paulo, está chegando hoje no CCBB do Rio. É isso, gente boa: minha Clarice Lispector desembarca agora por aqui, com toda sua simplicidade e profundidade. E "minha" não significa que Clarice não seja também sua, nossa. O pronome possessivo deve-se simplesmente ao fato de que ler Clarice, como bem já disse Caetano Veloso, "é como conhecer uma pessoa".


Clarice tem como marca se derramar a cada linha que escreve, deixando o leitor sempre na dúvida se personagens como Martim, GH, Joana, Virgínia, Lóri e Macabéa não são também (e sobretudo) ela própria. Lendo Clarice nos sentimos íntimos dessa mulher de olhos intensos que morou no Leme, nos EUA, na Europa, íntimos dessa ucraniana tão brasileira, que em sua escrita desenvolve o pensar e o sentir, ou melhor, o "pensar-sentir". A escritora mistura e funde, como ninguém, os "opostos". E é isso o que me encanta e intriga. Ela consegue ser complexa e tão simples, consegue nos envolver, fazer rir e chorar, com os mistérios do profundo e do trivial. Tem gente que a considera "hermética", mas eu considero Clarice muito humana.


Clarice, venha a nós, que tanto precisamos de ti, neste mundo dominado pelas palavras, pelos fluxos de comunicação instantânea, e muitas vezes vazia! Nos ensine a amar o silêncio. E aprofunde o gosto de quem já vive cercado por ele...
A quem interessar possa, recomendo uma visita à exposição.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Não sou eu quem me navega quem me navega é o mar...



Todos nós temos várias personalidades em uma só. Ultimamente tenho parado para prestar mais atenção na multiplicidade que reside em cada ser humano. Você já deve ter topado por aí com aqueles caras aparentemente super sensíveis, que escrevem poesia e amam Literatura, mas que ao primeiro sinal de estresse viram homens das cavernas, falam impropérios e ficam realmente rudes... Ou, ao contrário: aquelas pessoas aparentemente desprovidas de qualquer caldo de sensibilidade que, inesperadamente, iluminam seu dia com um gesto, uma palavra. E te dão a mão quando você menos espera... Eu mesma já devo ter surpreendido, nos meus momentos de cansaço e mau humor, quem me considera 100% Julinha tranqüila. Dependendo do momento e da forma como o estresse foi ocasionado, já me vi subindo nas tamancas e agindo como uma "Auditora" oficial da nação. Como boa virginiana, nessas horas potencializo meu lado analítico, e ataco o "oponente" com surpreendente, impiedosa (e também aparente) racionalidade... Vai dizer que você nunca se surpreendeu com as outras faces de si mesmo? O incrível é que a gente adota, ao longo da vida, apenas uma de nossas facetas como se fosse a soberana. Por hábito, preguiça, ou mesmo predileção, é comum a gente se esquecer que existem diversas outras dimensões nossas, doidinhas para aparecer. Prestes a emergir deste oceano de mistério que somos cada um de nós...


terça-feira, 5 de agosto de 2008

Uma laranjada por favor... Êta vício do bem!



Eu sou uma pessoa viciada em... amor. Adoro estar apaixonada, namorando, amando, descobrindo outras perspectivas e horizontes diferentes dos meus. Mais do que nunca, chego à serena conclusão de que existe o amor ruim e o amor bom. O amor ruim é aquele que te obriga a ser outra pessoa diferente de quem você é. É aquele amor que faz você se sentir sempre em uma esteira de academia, correndo, correndo contra o tempo, tentando agradar o ser amado, tentando ser mais (ou menos) atlética, inteligente, feminina, indepentende, sexy ou dona de casa... Enfim, é aquele amor que não faz você se sentir plenamente feliz sendo simplesmente quem você é. Este tipo de amor ruim é o que mais aparece por aí: a terra está sempre fértil para ele nascer, do oiapoque ao chuí. Já o amor bom... Quando experimentamos esse sentimento, sabemos que encontramos um companheiro(a) para o que der e vier. É aquela pessoa que te curte mesmo nos seus piores momentos. Que eventualmente até ri do seu mau humor (e quando não ri, te ajuda a perceber o quanto você é muito mais bonita(o) bem humorada(o)). Em vez de julgamentos e competição, o amor bom promove a paz e o equilíbrio. A evolução da espécie.


(...)


Eu já quis ser outra que não eu, tudo para atrair o ser almejado. Já me vi tentada a ser uma atleta descolada, uma amélia devotada... Mas tudo isso é frágil e não se sustenta. Crescemos ouvindo que amar é se sacrificar pelo outro, é ceder, é encontrar a "alma gêmea", "a outra metade da laranja"... Cada vez mais, eu desejo ser uma laranja inteira. Que o outro venha incrementar minha deliciosa laranjada, ou transformá-la numa laranja com hortelã, ou sei lá mais o que... Só não azede o meu frescor, não apimente demais a minha doçura. E papo encerrado.



Sim, existe vida inteligente nas nights do Rio de Janeiro! A vida inteligente no Rio de Janeiro emana de pessoas de carne e osso, feitas do mesmo material que eu, provavelmente, que você. Em certos lugares pelos quais eu passo, parece até que o ser humano é composto de outros elementos que não terra, ar, água... São pessoas que parecem saídas do filme "Inteligência Artificial": meio gente, meio robô. Quando a pilha acaba, ficam meio sem fala, sem ação, sem cérebro... Para este estilo de gente, o sexo é mera troca de fluidos, satisfação de necessidades físicas. São pessoas que, quando morrem, devem mesmo virar pó e nada mais além disso. Quanto às outras, bem...não sei sobre seus destinos pós-funeral... mas que elas têm alguma substância a mais, ah, isso tem! Nem que seja uma energiazinha que se espalha pelo universo e ajuda na multiplicação das flores, na proteção contra o efeito estufa, na proliferação da fé em regiões sem esperança...

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Reprise dos horrores




Toda experiência traz aprendizado. No mínimo, o aprendizado de que você jamais desejará repeti-la. Da experiência que eu tive no último ano, levo, entre outras coisas, uma excelente frase: “O mundo já acabou. Agora é só a reprise dos piores momentos”.

Como saber se o mundo já acabou e agora é só a reprise dos horrores? (atenção: os fatos aqui narrados misturam ficção e realidade, afinal, o “real” já acabou):

- Quando você se acostuma com o fato de que o tráfico e as milicias mandam na favela e no asfalto, influenciam eleições, torturam jornalistas, moradores, e quem mais puder atravessar o seu caminho
- Quando a barriga protuberante e a opção sexual de um jogador de futebol causam mais comoção do que os fatos relatados acima
- Quando não se acredita mais em partido e se carrega apenas um coração partido
- 1) Quando o cara com quem você procurava apartamento termina o namoro alegando que não ganhou presente de aniversário 2) O cara entra no Orkut 3) O cara convida, pelo orkut, uma mulher para ir ao funk e começa a se expressar como funkeiro 4) Você descobre que ela integra a comunidade “Meu sonho é cantar no Raul Gil”.
- Quando mesmo depois disso tudo você olha em volta e continua querendo acreditar que foi apenas um deslize, que ele vai voltar e perceber o quanto estava equivocado