sexta-feira, 18 de maio de 2012

Continuação da carta: passeios com Bruno


Bruno deixou por aqui tantas coisas... Expressões superlativas “Noooossa!” “Interessantíííssimo!” “Julíssima!”. Uma gargalhada sonora e gostosa.

Deixou no meu ombro uma marca, do dia em que andávamos de bicicleta pela ciclovia de Ipanema e acabei caindo feio no chão. Foi embora a ferida, mas ficou na pele a lembrança, devidamente suturada pelos raios de sol. Difícil acompanhá-lo, pedalava tão rápido, sempre à frente de tudo e de todos. Corpo e mente em intenso movimento.

Uma vez, quase caí de cara no chão dos nossos 15, 16 anos... Tentava acompanhá-lo de patins, descendo uma rampa no Aterro do Flamengo. O resultado foi fratura num osso que nem sabia existir (descobri que se chamava “escafóide”).

Bruno me fazia perceber a existência de coisas que escapavam ao meu conhecimento. Era desses que ativam nossa intuição. Com ele o tempo era hoje e o momento, agora.

Certa vez acordei em Friburgo com o amigo quicando frenéticamente uma bola de basquete. Intensidade em pessoa querendo viver às 8h da manhã. Em pleno frio serrano.

Tão bom lembrar da volta desta viagem. Estacionados na porta de casa, ele me olha esperto e diz: Vamos agora à Praia da Joatinga? Guardamos as malas e partimos, na hora, para o céu azul e o solzão que expandia aquele nosso encontro.

Em janeiro deste ano, saudosa, reencaminhei para ele uma mensagem antiga. Imediatamente, vinha a resposta:

"eeeeeeeeeeeeee!!!!! que bonito! que surpresa! e que dia bonito hj, tb! quando celebramos o sol, a praia e o mar, novamente? (podemos celebrar a lua tb num banho de mar no posto 6 ou Arpoador...)"

E lá íamos nós, andando e tomando água da coco. Sempre tão pouco o tempo para tanto papo e afeto. É assim que Bruno vive em mim: andando a pé pela cidade, me levando sempre adiante. E eu querendo ficar, apenas mais um pouco, do seu lado.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Carta a um Amigo


Perdi um amigo que para mim era a liberdade. Ele todo era livre, tão livre, que carregava asas. Um dia tentou voar, muito mais alto do que jamais havia sonhado. Saltou amplo no espaço e nunca mais acordou.

Esse amigo para mim é hoje um perfume. O cheiro do incenso que havia em seu quarto. Brisa doce. Barulho de chuva batendo no vidro de casa.

Quando sinto meu peito se abrindo e a respiração pedindo mais vento... é o Bruno quem eu vejo. Nestes dias em que estamos fartos de tudo e temos tanta vontade de uma vida mais bela... Eu tento olhar através da janela: e lá encontro o amigo. Chamando meu nome. Sempre disposto a desbravar um pouco mais do espaço. A explorar ainda um pouco mais a vida.

Bruno não pôde ficar. Não sabemos – nunca talvez saberemos - qual foi o motivo. O que sei, apenas, é que tentou voar. E voou.

Ele, que sempre gostou das alturas. Do alto dos montes, dos morros, das serras. Ele, que sempre soube apreciar a cidade vista de cima, por cima dos prédios, de todos os prédios de cinza e de pedra.

Para mim, Bruno é uma cor, um cheiro tão próprio e muita alegria.

O seu olhar era um jardim florido, como o lá de Friburgo, em dia de sol. Quando ele falava, eu toda acordava, para prestar atenção. Viagens e mais viagens. Muitas vezes, interplanetárias. Ele trazia de seu pensamento muitas pedras preciosas, conchinhas, ouro e estrela do mar.

O Bruno, quando falava, me fazia rir por dentro. Ele era um artista. Maior que Michael Jackson, Madonna ou Charles Chaplin. Muito maior: porque ele era meu amigo. Um grande amigo. O primeiro amor.

Com ele, pela primeira vez, percebi que um homem pode também ser uma pessoa muito sensível. Um homem pode ter ombros largos, bons de abraçar e serem abraçados. A um só tempo, acolher e pedir colo.

Era um homem que percebia a natureza tão própria de cada criatura, com sensibilidade, perspicácia e muita doçura.

Dividia com a gente as adivinhações que fazia, sempre de forma espirituosa e espontânea. Do lado dele, a partir de um certo momento da vida, eu queria apenas me sentar e ouvir. Talvez aplaudir.

Eu pedia conselhos, queria sempre saber um pouco mais de suas impressões. Sobre as pessoas, as coisas, a existência.

Uma vez, triste com o fim de um namoro, fui almoçar com ele em um restaurante japonês, lá no alto de um shopping. No meio da nossa conversa, descobri que eu não estava mais triste. Não tinha um namorado, mas tinha um amigo. O que mais eu podia querer? Prometi ali, para mim mesma, que nunca mais sofreria tanto no mundo, porque, quando me sentisse só, bastava que me lembrasse dele.

Tem coisas que a gente pensa, e se esquece. E a vida passa, e passa a cada dia mais. Voando.

O Bruno dormiu e não mais acordou. Foi embora sonhando, para um mundo onde sonho já não é mais fantasia.

Com este amigo, eu tinha um tipo de relação que temos com plantas e bichos. Não precisamos nem falar. O silêncio era cúmplice. As palavras apenas cobriam com fina camada um horizonte verde, profundo, e farto. Horizonte plantado, regado e cultivado por eras a fio.

Amigo de infância. Amigo de histórias. Irmão em criatividade, em mundo da lua, em vida do avesso.

Juntos, tiramos um dia uma foto, que bem simboliza a nossa amizade: mãos dadas, frente a frente, e nossas bocas abertas em um enorme grito. Olhos bem acordados, gritávamos para o mundo da nossa adolescência. Inquietação, vontade de viver e aprender um pouco mais. Este era o meu amigo.

Este é, para sempre, o meu amigo Bruno.