quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Separar é preciso - parte II


Alan, meu amigo leitor, sempre me insufla a escrever mais e mais com seus comentários... Vamos lá! Lendo o seu comentário no post anterior, caríssimo Hallan's, e relendo meu post anterior, deu vontade de voltar ao tema. A separação, no meu ponto de vista, é um "eterno retorno". A gente se separa para se aproximar, eis o paradoxo. A escrita, por exemplo, que cá embaixo eu digo ser uma tentativa de se separar do "todo" ... não deixa de ser, ao mesmo tempo, uma tentativa de aproximação, de compreensão, de formar um elo.

O fato de "cortar o cordão umbilical" não significa que vamos deixar de estar, pelo resto de nossas existências, inexoravelmente ligados aos nossos pais, antepassados, etc. Mas, imagina se não houvesse este corte, imagina se a gente andasse por aí sendo arrastado mundo afora pela barriga da nossa mãe... Seriamos um com ela, e não seriamos ninguém...

Imagina um mundo onde todos sofram as mesmas dores, com a mesma intensidade... Quem poderia ter força para levar a marcha adiante, apontar outros caminhos, ou mesmo dar alento aos que mais precisam? Penso mais ou menos por aí... Se você tem depressão e eu me afogo na sua depressão, como poderei te ajudar? A gente só pode ir ao encontro do outro se tivermos equilíbrio interno e serenidade para ajudar o outro, sendo um com ele, e permanecendo, ao mesmo tempo, inteiro. Isso em certa medida, é claro. Tem vezes que a gente realmente não quer e não deve e não consegue se separar de nada.

O que digo vale não apenas para o sofrimento, mas para tudo: chatice alheia, felicidade que vem dos outros... Por exemplo: chatice... Se a gente absorve a alheia, cadê tolerância para lidar com "a" "o" chata(o)? Pode ser apenas um momento chato... É uma diferença sutil, mas como uma vez bem observou meu amigo Fabrício: “o sutil pode ser muito... opressor”.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Tempo doido


Tempestade de neve em Londres, como não se vê há 18 anos. No Rio, o verão alterna um mormaço de céu cinzento com outro azul, sempre imprevisível.

Não existem mais estações do ano, e a gente vai passando os dias com a impressão de que estamos sempre no mesmo momento. Na correria, a gente vai se consumindo sem prestar atenção na suscetibilidade do tempo. No máximo, paramos para reclamar: "nossa, que calor!" ou "humm.. é só chegar o final de semana que faz frio...!".

O fato é que sou muito ligada ao clima. Dependendo do aspecto do dia, meu humor e minha sensibilidade se modificam. Em um dia de sol, sou feliz com muito mais facilidade... Por que somos assim? Talvez eu não tenha concluído direito aquela etapa da vida, lá na mais "tenra infância", em que a gente precisa se "separar do todo". Na vida, acho que a gente tem que aprender a se "separar" de várias formas dos outros. Se não, ficamos levando pra casa sentimentos que não são nossos, tristezas que não são nossas, cores cinzentas ou azuladas que não vem da gente para o mundo, e sim do mundo para a gente. Isso faz parte, claro: somos humanos, viemos da terra, nos afetamos por tudo. Mas a cada dia, alimento a crença de que precisamos buscar a paz interior, independente do mundo que nos cerca. Só assim, movidos por essa paz, poderemos conseguir – quem sabe? - alguma coisa melhor para o futuro, que é sempre um "agora". Eu só acredito na revolução alcançada por uma legião de pessoas que encontram a sua paz e a sua autonomia interior. A grande maioria, vive acorrentada: ao passado, ao tempo, ao clima, aos outros.

Li um livro interessante, do Osho, em que ele diz que precisamos esquecer o futuro para então nos despregarmos do passado e vivermos efetivamente o "agora". Gostei disso. O agora a gente vive sempre por um triz... Em geral estamos pensando no que vamos fazer quando sairmos do trabalho, quando chegarmos em casa, quando sairmos com os amigos, formos naquele aniversário, naquela festa... andamos conectados no amanhã, no final de semana, na semana que vem. E desta forma, as coisas vão passando e o passado fica engordando, pesando nas costas.

Muitas vezes já me peguei escapando do "agora", seja porque ele está com aparência tediosa, seja porque me exige demais. O fato é que muitas vezes a gente foge para um futuro ou um passado como uma criança que fica imaginando seres fantásticos saindo de dentro do armário, em vez de abrir a porta e dar uma olhadinha atenta. Simples assim.

Fugindo do presente, a gente complica tudo, torna tudo meio sonho...

Experimentamos diversos partos ao longo da vida. Ao longo da vida, precisamos cortar o cordão que nos une ao tempo, aos outros, até mesmo para decidirmos, quando der vontade, nos unir novamente e buscar aconchego no útero da terra, no colo de tudo o que existe nesse mundo.

Já viu como é bom ficar olhando a lua e nos tornarmos, nós mesmos, a lua? Estagnados de pura admiração e deslumbramento, ficamos sem palavras, apenas sentindo...

O ator faz isso por profissão: em vez de se separar, ele se torna o outro. As palavras, desempenham papel contrário: muitas vezes, são formas da gente se separar das coisas. Ao nomear, estamos nos separando... Certamente é por isso que escrevo: para recortar algumas formas que tornam a vida menos absurda, mais palatável. Para modelar o caos. Separar é preciso. E tem momentos em que é preciso também o contrário: calar, totalizar, sermos todos um só.