segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Pelo caminho



Talvez tão triste quanto a dor da morte seja a dor de uma idéia que decidimos deixar de lado, ou de um ideal no qual deixamos de acreditar.

Deixar para traz sonhos e planos, que por tanto tempo guiaram nossas vidas, faz a gente sentir um vazio e uma tristeza inigualáveis.

Mas às vezes é preciso.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Desculpa mas... eu te conheço?



Aconteceu comigo, deve acontecer com você: como diz a letra de um conhecido pagode, a gente "se apaixona pela pessoa errada". Será que a gente se relaciona mesmo com a pessoa real ou com a imaginada? Qual a porcentagem de realidade e de fantasia que existe nos nossos relacionamentos? E na nossa vida? Já parou para pensar nisso?

Não é novidade: a gente gosta em parte do que a pessoa é, e em parte do que ela poderia ser. Ao menos comigo é assim. Quando decidimos iniciar uma relação, vem junto um pacotinho cheio de promessas e possibilidades. Aos poucos, pode ser que parte deste "pacote" tenha seu prazo de validade "vencido"; parte se revele propaganda enganosa; e parte permaneça a cada dia mais apaixonante. Pode acontecer apenas algum(ns) desses intens. Ou todos eles juntos.

A grande questão é quando insistimos em buscar na pessoa real a pessoa imaginada. Com se fossemos um consumidor que, sentindo-se lesado diante do "produto", em vez de devolvê-lo, trocá-lo ou simplesmente aceitá-lo como ele é, ficamos tentando implementar ajustes. No caso de uma relação, que nada tem a ver com uma compra (graças a Deus!), as adaptações são necessárias. Eu diria imprescindíveis. Mas tudo tem um limite. E é preciso que cada um respeite o seu.

É preciso saber o momento certo de disparar em direção ao outro a libertadora pergunta: "Desculpa mas... eu te conheço?"

Acho que isso vale para todas as relações, inclusive, as de amizade.

O que ocorre, com alguma frequência, é que as pessoas têm dificuldade de identificar seus próprios limites. Ou acreditam que chegou ao limite muito precocemente, sem querer saber de "ajustes" ou, ao contrário, ficam obstinadas em seguir um caminho que há tempos vem se revelando cheio de furos.

Tem muita gente achando que ama quando, na verdade, está é agarrado a uma crença, construída em tempos remotos.

Sábios são aqueles casais que a gente olha e pensa "puxa, como se gostam"... Talvez apenas tenham aprendido a apreciar o movimento, a mudança, e a reverenciar a estranheza alheia.

Aceitar que algumas pessoas não são aquilo que imaginávamos e buscávamos é um grande aprendizado. Simples assim. Nem por isso elas são melhores ou piores. Imagina: se nossos próprios "eus" são tão imprevisíveis aos nossos olhos, o que dizer dos outros?

Cabe a cada um decidir até onde vale abrigar na própria vida a presença desses adoráveis estranhos.

domingo, 21 de setembro de 2008

Relações sem compromisso e a dança do quadrado




Entregar-se ao sentimento é como andar em um vendaval: a gente dá dois passos para frente, três para trás, dois para frente... mas o fato é que a gente caminha, sente o ar batendo no rosto e enchendo nossos pulmões.

Noto que hoje em dia tem muita gente iniciando relações onde já está preestabelecido que o bacana é não se entregar ao sentimento. O bacana é apenas "curtir o momento" (leia-se: sair, transar, rir, trocar algumas palavras de carinho) e se manter distante de qualquer coisa que lembre "compromisso". Não querer compromisso é um "sintoma" manifestado por muitos integrantes da minha geração, e das gerações mais novas.

É como se cada um vivesse girando em torno de si próprio (cada um no seu"quadrado", como naquele vídeo do YouTube que subitamente se parece tão metafórico).

Entregar-se ao sentimento está meio fora de moda, talvez porque modifique a gente de verdade, derrubando nossas certezas, desestabilizando nossas rotinas. Amar, então, dá o maior trabalho. Melhor evitar. Para alguns chega a ser meio aterrorizante, sempre tão misterioso. Amar exige que a gente saia um pouco do nosso universo (do nosso "quadrado"), ultrapasse nossos limites.

O que na geração hippie era chamado "amizade colorida" se degenerou no que hoje o pessoal chama de "rolo". Hoje as pessoas "ficam", "pegam" (esse verbo ilustra bem o tipo de relação em voga). Do termo cunhado para caracterizar o amor livre, parece ter ido embora a "amizade" e ficado só essa coisa meio colorida, meio desbotada, que não ata nem desata. Alegrias provisórias, satisfações instantâneas. Por vezes essas relações são o começo de um caminho. Ou uma experiência interessante. Quem sabe uma divertida forma de exercício da sexualidade. A "coisa" começa a ficar complicada quando se começa a viver mais de uma relação desse tipo ao mesmo tempo. É como querer ver dois ou três filmes de uma só vez. Confunde a cabeça e, no final, fica aquela sensação de indistinção: não se sabe se determinada cena foi de uma ou de outra história. Quem falou mesmo aquilo? O personagem "A" ou "B"? E cadê o sentido de tudo, da experiência vivida? Foi pro espaço.

Sinceramente, não gosto de nada que faça eu me sentir pela metade. Para entrar em qualquer tipo de relação que seja, gosto de me comprometer (o que para mim significa estar inteira, deixar fluir naturalmente o sentimento) e me lançar de verdade. Bom mesmo é voar sem ter o destino traçado. Não quero delimitar onde está o teto. Só assim, tudo (ou nada) pode acontecer.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

O malandro e o mané


Nunca escrevi tanto sobre um tema aqui neste blog. Mas sinto que ele tem apelo junto ao enorme público. rs. Devido às inúmeras interpretações despertadas pela palavra "mané" (e os comentários do post abaixo são testemunhos disso), vou tentar delimitar ainda mais o foco para deixar bem claro a espécie à qual eu estava me referindo. Mané, sem dúvida, tem diversas variantes, e o sentido da palavra vai se desgastando com o uso. Ficou realmente banal, sinônimo de "chato", como bem observou um amigo meu.

Eu diria mais. Mané virou também sinônimo daquele ser humano meio nerd; meio prego; meio “bobo chato feio”; ou ainda, meio sem noção. Mané também é usado com sinônimo de “otário”, “fora de moda” (pois é, essa expressão já tá fora de moda...), ultrapassado. Importante ressaltar que esta última definição é disseminada, exatamente, pelos mais autênticos da espécie mané, por esses aos quais eu prestei a homenagem (e que acham que definem o que está 'na moda'). Neste caso, a definição é pura “intriga da oposição”.

Insatisfeitos com a palavra que tão bem se aplica aos seus comportamentos, esses seres decidiram lançar sobre os outros a sua maldição. Mas não cola não.

O Mané do qual eu falava, o manezão mesmo... o que ele guarda de específico em relação aos demais é o fato de não nutrir qualquer espécie de sentido de... gentileza, de consideração em relação ao próximo. O verdadeiro mané, símbolo maior de nosso século XXI, é antes de tudo um individualista.

O malandro de ontem talvez tenha se tornado o mané de hoje. Mas acontece que o malandro de ontem (que ainda existe por aí) é cheio da ginga, é aquele conquistador que não esconde o fato de ser um conquistador. É aquele cara que, dentro da sua malandragem, joga limpo. Digamos que na fila do banco ele cederia o lugar para a velhinha, (quem sabe para o velhinho), para a grávida ou para a moça.

O malandro de ontem é, antes de tudo, um amante das mulheres. Em situações de conflito, ele daria um jeito de sair ileso (mas torcendo muito para não prejudicar ninguém).

O Mané de hoje, ao contrário, é antes de tudo um amante de si mesmo. Se você for investigar a vida dele, notará que não se dá bem com o sexo feminino (a começar com a mãe, a irmã ou a avó). Podendo salvar a própria pele, ele salva. E não quer nem saber o que aconteceu com a “sociedade” à sua volta.

Acho que tá aí a diferença. Eu proponho a volta do malandro!

A volta do malandro
(Chico Buarque)


Eis o malandro na praça outra vez

Caminhando na ponta dos pés

Como quem pisa nos corações

Que rolaram nos cabarés

Entre deusas e bofetões

Entre dados e coronéis

Entre parangolés e patrões

O malandro anda assim de viés

Deixa balançar a maré

E a poeira assentar no chão

Deixa a praça virar um salão

Que o malandro é o barão da ralé

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Ser ou não ser... mané



Mané. Não existe melhor palavra para definir certa espécie de gente que não hesita em ser rude e individualista quando se sente ameaçada. Ou mesmo quando não sente nada. Afinal, em geral o mané não sente muitas coisas não. A sua sensibilidade não costuma ser muito apurada...

Mas o que é ser realmente "mané"? Esse adjetivo, tão pequenininho e sonoro, cai como uma luva na caracterização desses seres que se proliferam por aí, e que por isso merecem esta justa "homenagem".

Ultimamente tenho ouvido falar muito sobre eles. Não tem sexo, idade, cor, raça ou classe social que não sofra a interferência ou não perceba a disseminação de manés em solo nacional (talvez a maior concentração esteja no Rio de Janeiro, mas isso aí já é um "chute meu", bastante questionável). Não que manés não existissem antes, nos tempos de vovó e de mamãe. A diferença é que naqueles tempos um mané costumava ter vergonha de ser mané (o que nos leva a crer que não haviam verdadeiros espécimes em cena). Mas hoje em dia algo parece estar se modificado, e acredito que eles estejam até mesmo na moda.

O mané talvez seja a grande figura do século XXI. Mané para valer é aquele que não tenta disfarçar essa condição. Pelo contrário: ele não está nem aí para disfarces. Simplesmente é e ponto.


Ser mané traz algumas vantagens: sobretudo o fato de que a vida fica muito mais simples, já que não há quase com o que se preocupar.

Mané pode ser homem ou mulher, e se manifesta com maior riqueza de sintomas em situações de conflito (como por exemplo no trânsito, na fila do banco, em momentos de cortes na empresa, ou desgaste no relacionamento). Em suma: o mané se revela de verdade em situações nas quais seu caráter é posto em questão. Mas é preciso frisar que mané que se preze não liga para esse negócio de caráter. Ele tampouco é um "mau caráter" (talvez tenha preguiça). O mané é mais ingênuo. Simplesmente vai vivendo... Não tem o propósito de prejudicar ninguém. Contanto que não o prejudiquem. E se prejudicar também... aconteceu. Fazer o que?

Se você já lembrou de alguém com esse perfil, continue comigo. Vou tentar desenvolver a minha definição do termo...

O mané acha que está "abafando", "abalando geral" justamente nos momentos em que é mais baixo e vil. O mané se orgulha de feitos dos quais deveria se envergonhar. E se envergonha de atitudes e sentimentos nobres (que porventura possa ter experimentado) os quais deveria respeitar.

Um mané nunca ama e se entrega a ninguém, porque isso seria coisa de "otário". E quando ama e não se sente retribuído "à altura", pode vir a se sentir um "idiota". E lamentar ter "amado". E o mané ama? Não. O mané calcula e cobra cada centavo de dedicação que devota a alguém, porque em geral tem baixa capacidade de doação. Não percebe que gostar vale por si mesmo, que amar aquece a alma e amplia o espírito.

O mané só entende a vida em termos de "pede e ganha". Se alguma situação ou pessoa não dá "lucro", ele simplesmente chuta tudo pelos ares e desdenha o que deixou para trás. Ele vive apenas o tempo presente na plenitude de toda manezice. Não aprofunda sentimentos de apreço, ou de gratidão. Não valoriza passado nem futuro. Vai vivendo a vida como quem vai ao shopping sem a menor intenção de comprar, como quem vai à festa sem intenção de comemorar, ou quem sai com amigos sem vontade de conversar. Simplesmente segue na sua trilha, fazendo o que lhe dá na cuca. Pensando bem... mané não costuma ter cuca (palavra tão simpática, que remete aos bichos-grilos, tão mais poéticos). Mané tem cabeça para usar boné, gel, topete, ou para decidir se avança ou recua, se omite ou compactua.

Já que tenho falado das "nights", vamos definir essa subespécie "mané noturna". Dizem por aí que ele(a) não tem pudor em ignorar torpedo, email, ligação ou sinal de fumaça. Responde quando dá na telha. Se não dá também, pra que responder? Antropólogos dizem que esse comportamento é mais comum em macho do que em fêmea. Mas não há regras (a proporção tende ao equilíbrio). Outro dado é que o mané pode passar dias, até meses, ou anos, ignorando manifestações de carinho e amizade do sexo oposto. Sua cara de pau (outra característica marcante) permite que, ainda assim, ele acione o caderninho de telefone se por acaso vir a lembrar da figura que tanta indiferença inspirou. Prepare-se: ele pode a qualquer momento te ligar. Sobretudo naqueles momentos em que você não está mais ligando a mínima. Mané ressurge.

Ao mané, não interessa muito nenhum desses assuntos sobre os quais estou escrevendo, até porque ele não se interessa muito por quase nenhum assunto. Gosta mesmo é de rir um pouco sobre quase todas as coisas. E isso basta. O mané quer o que o apraz no momento (e isso se modifica com muita facilidade e velocidade).

Uma das melhores definições para essa espécie é que ela não tem auto-crítica. Mané que é mané sofre de uma espécie de cegueira que não permite vir à tona a percepção do quanto foram (ou são) estúpidos (manés) com os outros.

Uma coisa que me parece importante lembrar é que todos nós podemos ter momentos "manés". Mas se não formos "manés" autênticos ficamos propensos a corrigir a rota, mudar o rumo e retornar à condição humana, sujeita a erros e desejosa de acertos.

Nós, os "não manés" por natureza, nos arrependemos e pedimos perdão. Olhamos nos olhos, reconhecendo eventuais "tropeços", e crescemos com a "manezice". Mas mané que se preze, não! O tempo os torna, ao contrário, a cada dia mais e mais... manés. Você já viu por aí um verdadeiro mané arrependido?

O mané é meio ressentido, desconfiado. Deve ter problemas sérios de infância. Ou simplesmente pegou gosto pela coisa, já que faz tanto sucesso e conta com boa fatia de público.

Tal como acontece na natureza, a existência da espécie "mané" parece ter sua razão de ser na cadeia reprodutiva humana. Eles parecem existir para que os demais se tornem mais sagazes e espertos. Para que os demais se enobreçam, se amem e se multipliquem ainda mais.

Com muito mais senso de urgência e felicidade.