quarta-feira, 6 de abril de 2011

Salve Salvador: da mortalha ao império do abadá


O “bloco” do Obama passou pelo Rio, estamos quase no período de Páscoa – festa que condena a carne... e o carnaval já faz tempo acabou. Acabou? Este ano, estive em Salvador. Há cerca de 35 anos¸ meu pai também passou por lá. Hoje, um abadá para assistir ao trio da Ivete, conhecido como Coruja, custa cerca de R$ 800. Naqueles outros tempos, meu pai se divertia dentro de um pano chamado de mortalha, adquirido por uma ninharia, e que dava uma espécie de passe livre pela folia baiana. A mortalha era apenas um charme, um toque, e não um pré-requisito para pular o carnaval. Entre a mortalha e o abadá rolaram, portanto, algumas décadas, muito dinheiro e grande parte da espontaneidade de uma festa que há tempos não é do povo.

Hoje em dia, entre o povo e os que pagam – caro – para acompanhar de perto seus trios, existe uma corda. A corda demarca uma espécie de sesmarias conquistadas pelas camadas mais abastadas que desfrutam do carnaval. A corda simplesmente torna mais caro o metro quadrado que existe ao redor do trio. Quem pula carnaval dentro da corda, conquista uma remota sensação de segurança, e de alegria. Mas a chamada “pipoca” – nome pelo qual é conhecido o espaço povoado pelos desprovidos de abadá - me ofereceu na Bahia alguns dos melhores momentos do carnaval. Andando ao lado dos “filhos de Gandhi”, acompanhando as pessoas na mais contagiante “muvuca”, pude migrar de um bloco a outro, ainda que com alguma dificuldade, e curtir o carnaval de outro ponto de vista. Muito mais democrático.

Para os que dizem ser “perigoso”, alego que Salvador está muito bem policiada, ao menos durante o carnaval. Volta e meia passavam filas de policiais marchando, e o baiano parece se orgulhar muito da festa, e curtir também. O que fez falta foram latas de lixo e banheiros químicos. Ao que parece, quem não tem abadá também não tem espaço para descartar seus resíduos.

A Bahia é uma espécie de parque temático do carnaval. Ou, poderia dizer, a indústria do carnaval é uma espécie de “Disney” baiana. Nesta época do ano, Salvador se transforma para abrigar pessoas das mais variadas partes do mundo, com toda uma infra-estrutura que torna seguro o processo de compra, venda, recebimento e também customização (!) de abadás. Só para pegar o meu, eu levei cerca de 20 minutos para ir e 20 para voltar de um centro de convenções. No local onde pegamos o abadá, passamos por pelo menos quatro guichês, protegidos por seguranças munidos de walk talks, trajeto que eles chamam de “Check in de abadá”. Com este paninho em mãos, que nada mais é do que uma blusa com o nome do seu trio ou camarote, você atravessa um corredor cheio de lojinhas.

Quem disse que só o Mickey tem sua linha de produtos, levando o desenho daquelas características orelhinhas? O Chiclete com Banana também deixa sua marca, no caso, uma patinha símbolo do bloco Camaleão, em bolsas, blusas, carteiras... Enormes pôsteres estampam a cara dos integrantes do Asa de Águia e seus colegas de folia, todos cultuados como reis e rainhas da festa de Momo.

É impressionante, nos comerciais de tevê, aparecem Ivete, Cláudia Leite e demais divas do carnaval passando recados de utilidade pública e reforçando mensagens sobre a importância do uso da camisinha e do aleitamento materno. Nos camarotes, e mesmo nos trios, rola solto o patrocínio. O carnaval é das marcas de cerveja, refrigerante, banco ... Tudo parece convergir para o merchandising.

Dentro do meu abadá, tive que disputar espaço no trio com mulheres caracterizadas como cheerleaders. Balões de gás em punho, elas faziam coreografias em nome de uma marca de celular. Os trios, bastante sofisticados, com letreiros luminosos e até bichos e personagens infláveis, até se assemelham a carros alegóricos, ou mesmo aos símbolos dos parques temáticos americanos.

Mas a verdade é que não posso reclamar... Pude acompanhar Daniela Mercury de dentro de um taxi, enquanto chegava ao circuito praiano do carnaval, intitulado Barra-Ondina. O rádio me trouxe certa sensação de nostalgia. Salve salvador/me bato me quebro todo por amor/eu sou do Pelô / o negro é raça é fruto do amor...

Mas a lembrança foi embora de táxi. Já no chamado circuito, pude observar que do alto dos trios elétricos personalidades como Hebe Camargo hoje fazem a festa. A mídia atribui a essas pessoas alguns dos “pontos altos” do carnaval (talvez pela altura que de fato separa as estrelas do restante da população). Não posso lamentar: as músicas mais antigas são reprisadas, se não pelo artista original, certamente pelo seu cover, ou clone. Cheguei a tirar foto de uma mulher e um homem, com a voz parecidíssima com Mercury e Brown, mas logo me informaram que não eram os originais. Eram as cópias. Uma coisa é certa: sob o ponto de vista de quem comanda alguns dos trios, o carnaval baiano é uma riqueza só.

2 comentários:

Jurandi Siqueira disse...

Confesso que nao gosto do carnaval baiano; gosto do povo, de sua beleza natural e de sua comida. Mas do carnaval... gente que só sabe pular. Dizem que é festa da carne, mas parece do peixe, ou melhor, de siri que pula na lata quando a coisa esquenta. Da carne tem apenas o preço, que está para a hora da morte.

Diego disse...

Bom,para quem fala sobre o carnaval baiano e critica, acho que nunca deve ter pulado atras de um trio ou,até mesmo na pipoca...Porem agente pula,porque estamos felizes,vivendo um sonho, que aliás,é do que se compõe o carnaval...